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O dinheiro e sua não-neutralidade

quinta-feira, 30 de junho de 2016 Postado por Lindiberg Mustang
Muitos pensam que a piedade é fonte de lucro. De fato, a piedade com contentamento é grande fonte de lucro, pois nada trouxemos a esse mundo e dele nada levaremos; por isso, tendo o que comer e com que nos vestirmos, estejamos com isso satisfeito. Os que querem ficar rico caem em tentação, em armadilhas e em muitos desejos desordenados e nocivos, que levam os homens a mergulharem na ruína e na destruição, pois o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. Algumas pessoas, por cobiçarem o dinheiro, se desviaram da fé e se atormentaram com muitos sofrimentos.

1 Timóteo 6.5-10

Já não existe mais uma noção simples pra definir o que seja o dinheiro. Hoje, o que pode ser entendido por dinheiro, seja como moeda ou como riqueza, guarda em si uma ideia complexa e quase não se pode mais contemplar essa palavra no vocabulário dos economistas. Ainda assim, o dinheiro é um fator significativo ao se tratar de uma vida econômica global, pois está inevitavelmente atrelado a jogos complexos de operações de produção, distribuição e consumo.
Mas nem sempre foi assim. Partindo de um período histórico, a Idade Média, por exemplo, o dinheiro não tinha tanta importância, pois não havia uma causa externa (o mercado, a propaganda) para estimular o interesse humano para o consumo. Assim, o dinheiro exercia um papel irrelevante na vida, no pensamento e nas preocupações dos medievais. Com o advento do capitalismo o “sabiá muda de canto”.
A partir do século XVIII em diante, e sobretudo no XIX, o mundo europeu já se encontrava em desenvolvimento econômico bem acelerado, onde a função do dinheiro tinha mudado radicalmente a vida das pessoas. O sistema capitalista, gradativamente sujeitou toda a vida, individual e coletiva, ao dinheiro e, sucessivamente, o Estado, a Igreja, a Educação, o Direito, a Arte, tudo passou a se submeter ao poder do dinheiro. Não se trata, certamente, de uma questão de corrupção — o que não deixa de ser evidente o fato de que todos se meteu a pensar através do dinheiro.
Apesar de ter uma relação afetiva com o conceito de esquerda, penso que o socialismo não nos apresenta uma alternativa. O socialismo hostiliza o capitalismo apaixonadamente, no entanto, não podemos ignorar uma história embaraçosa de autoritarismo, centralismo e dogmatismo que sempre floresceram na esquerda. O discurso tradicional encabeçado pela esquerda é que esses vícios seriam desvios que não teriam lugar em um “socialismo verdadeiro”. Acredito cada vez menos nisso, e cada vez mais na hipótese de que esses vícios são parte característico da própria esquerda.
Durante décadas o socialismo esmagou o homem na tentativa de domestica-lo para dar outra direção a sua natureza. Dessa forma, o socialismo retomou o que há de pior no capitalismo justificando como teoria, subordinando o homem não ao dinheiro ou aos capitalistas, mas a uma produção esmagadora. Se no capitalismo o fenômeno é o desaparecimento do ser pelo ter, no socialismo trata-se de uma supressão do ser pelo fazer e pelo ter coletivo. No final das contas, não conseguiram eliminar a paixão pelo dinheiro e a submissão do homem ao dinheiro.
Já não pode ser medida minha preocupação de que, na presente ordem, o homem é impelido a correr cada vez com mais intensidade atrás do dinheiro numa busca desenfreada pela felicidade material. Dentro desse cenário, dois grupos de pessoas merecem destaques: o primeiro são aqueles que caem na armadilha de serem possuídos por sua própria riqueza; o segundo são aqueles que não conseguem obter nenhuma fortuna, no entanto, são possuídos pelo próprio desejo de possuir — são escravos que não podem pagar o preço pela sua liberdade. O poder do dinheiro domina solidamente ricos e pobres.
De forma mais intrigante, ao assumir a frequente menção do liberalismo à “mão invisível” do mercado, não é estranho que se entenda isso como uma espécie de “potestade” — uma força que subjuga e se encontra alheia ao próprio homem. Dessa sorte o liberalismo se evidencia com configurações de uma religião convidando todos a viverem debaixo dos poderes de uma “mão invisível” que, particularmente, se manifesta sobre o signo do dinheiro.
Não é difícil de entender e, dado essa natureza, o indivíduo não dirige mais seu olhar ao papel ou moeda, mas apenas ao poder de compra. E aqui entramos num terreno um pouco nebuloso, pois o dinheiro é apreendido por sua categoria simbólica aproximando-se de sua realidade econômica, que se manifesta numa dimensão cada vez mais abstrata; apresentando-se com clareza inquestionável, trazendo tudo àquilo que oferece progresso material. Ora, em outra esfera, não podemos ignorar o rigor matemático adotado pela ótica neopentecostal: dinheiro=bênção. Aqui o dinheiro torna-se um valor espiritual em si. Sendo um valor em si, o dinheiro deixa de ser meio e se torna um fim; deixa de ter uma importância econômica para tornar-se um valor moral e um critério ético.
Nesta ciranda, correr atrás da grana é o mesmo que correr atrás do poder que ela representa de forma acumulada — ou seja, a riqueza. E é natural que aquele que se utiliza de qualquer tipo de poder tem por inclinação associar a este poder seu amor, e consequentemente sua esperança. Jaques Ellul afirma que:
A fome por dinheiro está entre os homens na forma de signo, como a aparência de uma outra fome; o amor pelo dinheiro não é mais que o signo de uma outra exigência. Fome de poder, de superação, de certeza, amor de si mesmo que se quer salvar, de tornar-se sobre-humano, de sobreviver e de eternizar. E qual o melhor meio além da riqueza para se chegar lá? Nesta busca alucinada, precipitada, não é apenas o prazer que o homem procura, mas a eternidade, obscuramente.
Como tal, Paulo adverte que aqueles que empreitam nessa caminhada caem em tentações, em armadilhas e em muitos desejos desordenados e nocivos; isso leva a um mergulho devotado à destruição, pois há uma coisa que o homem não pode se utilizar do dinheiro para comprar: a si mesmo. Hoje pedirão a tua alma, e tudo ao seu redor se desfalece, na incapacidade de te salvar (Lucas 12:20); “De nada vale a riqueza no dia da ira divina” (Provérbios 11:4).
Jesus, que era bem mais atrevido que Paulo, não só nos alerta do perigo de correr atrás do dinheiro como também diz que este assume, diante do homem, a posição de um deus. Para Jesus, riqueza é Mamom: um ser que tem a presunção de ser adorado e servido. Nas considerações de Jesus, o dinheiro não é um objeto neutro e sem autonomia — vale lembrar que este é um episódio excepcional nos evangelhos, pois Jesus não costumava fazer personificações de objetos. E se o dinheiro não é neutro é porque se orienta por si mesmo, segue sua própria lei e se afirma na realidade como sujeito. Essa é uma característica do poder no sentido bíblico, seu paradoxo: o poder não é jamais neutro, ele é orientado e da mesma forma orienta os homens.
Não é de se surpreender que o rabi de Nazaré encare a ambição pelo lucro como um ato de adoração a esse deus, “porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”. E continua nos advertindo: “ninguém pode servir a dois senhores” (Mt 6.24). A riqueza se projeta como deus porque preenche no homem, como um devaneio, seus desejos e ambições. É a busca por satisfazer esses anseios que orienta o homem a conferir toda importância ao símbolo; neste momento a riqueza se torna um fim em si. Destarte, é de extrema importância entender o paralelo que Jesus estabelece entre Deus e Mamom. Assim como entre o homem e Deus, a relação entre o homem e Mamom se constitui como uma relação entre um servo e seu mestre. Esta é uma realidade muito específica manifestada por Jesus.
Quando intuímos tudo isso com clareza pode-se perceber como o dinheiro sujeitou toda a vida ao seu domínio. Tudo pode ser comprado ou vendido, inclusive o homem: “Vocês vendem por prata o justo, e por um par de sandálias o pobre” (Amós 2:6). Como Ellul deixa claro, a moeda é somente uns dos meios de ação da potência do dinheiro, “o signo mais visível e concreto desta universalidade da venda”, onde o homem é posto de forma total à mercê dessas relações — a Bíblia é clara sobre o comércio de corpos e almas humanas (Ap 18:13). Essa dissolução interior do homem é enfática na traição de Judas como um ato pago. Porém, Jesus foi somente objeto da potência do dinheiro, mas nunca foi possuído por ela.
Desse modo, diferente do Antigo Testamento onde a riqueza era símbolo da glória de Deus, no Novo Testamento não há um verso sequer que justifique a riqueza — todos os ricos, e de forma mais clara no livro de Lucas, são aferidos com juízo. A riqueza não tem referência na pessoa de Jesus, assim como não tem também tudo que lembrava as ações de Deus no Antigo Testamento como os sacrifícios, o sacerdócio, o templo, etc. Jesus carrega em si toda a síntese do que essas coisas representavam. Em Jesus todas essas coisas foram suprimidas, porque ele é a representação máxima da riqueza de Deus para a humanidade.
O reino de Cristo é singular justamente porque não precisa da glória da riqueza para sustentar sua autoridade. O poder econômico e político são diretamente contrários à postura de Deus refletida em Jesus e seu modo de se dirigir ao mundo. Portanto, numa perspectiva cristã, o dinheiro é entendido apenas como uma coisa que possui um valor instrumental; ou seja, seu valor reside unicamente no fato de ser um meio para satisfazer o valor intrínseco.
O carpinteiro de Nazaré foi o principal patrocinador da ideia de que não precisamos nos preocupar com o dia de amanhã, que Deus provê os pássaros todos os dias e vestem os lírios com uma beleza magnifica, e que o valor que Deus dá a nós é inestimavelmente maior do que de aves e flores (Mt 6.25-34).
O concelho de Jesus era para não ajuntarmos tesouros terrenos, pois, traças e ladrões são atraídos para devorar e roubar impiedosamente tudo isso (Mt 6.19). O Mestre dizia que a vida de um homem não consiste na quantidade dos seus bens. Levando isso em conta, chama de insensato o empreendedor bem sucedido que deposita a sua segurança em seus bens acumulados (Lc 12. 15-20).
Para Jesus, assim como para Paulo, é a piedade com contentamento que é uma grande fonte de lucro, pois nada trouxemos a esse mundo e dele nada levaremos; por isso, meu amigo, tendo o que comer e com que nos vestirmos, estejamos com isso satisfeito.
©2016 Lindiberg Mustang

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A ilusão democrática

sexta-feira, 24 de junho de 2016 Postado por Lindiberg Mustang

A manipulação deliberada e inteligente dos hábitos e opiniões organizados das massas é elemento fundamental de uma sociedade democrática. Os que manipulam esse mecanismo oculto da sociedade constituem um governo invisível que representa o verdadeiro poder dirigente do nosso país.
Somos governados, nossas mentes são moldadas, nossas preferências formadas, nossas ideias sugeridas em grande parte por homens dos quais nunca ouvimos falar.
[. . .] Em praticamente tudo que fazemos na vida diária, seja na esfera política ou nos negócios, seja em nossa conduta social ou convicção ética, somos dominados por um número relativamente pequeno de pessoas que entende os processos mentais e padrões sociais das massas. São eles que puxam os cordões que controlam a mente do público, que canalizam antigas forças sociais e encontram novos modos de amarrar e conduzir o mundo.

Eduard Bernays, sobrinho de Freud, no seu livro Propaganda, de 1928. Para entender melhor o que acabou de ler — e ter certeza de que isto não é um sonho — recorra a este documentário deveras esclarecedor: O século do eu.
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O homem e a deformação da realidade

segunda-feira, 2 de março de 2015 Postado por Lindiberg Mustang
Vivo neste mundo como um estrangeiro em minha própria época; e é por este motivo que sou sucumbido por ele. Um indivíduo que pretende ser fiel à sua própria consciência em um mundo onde todos usam máscaras, com certeza será um incômodo para essa sociedade do espetáculo. Paulo Brabo diz que “Deus oferece aos santos dois destinos, não ser nada ou não ser compreendido”. No meu caso, fui acachapado com os dois.
Levando isso em conta, vez e outra alguém retruca: “Lindiberg, você diz essas coisas, mas, afinal, em que você acredita?” Uma pergunta válida e honesta que jamais poderia ser respondida em poucas linhas. Entretanto, minha vaidade não me permite ficar calado.
Sou cristão, e a pessoa de Jesus lança luz sobre tudo àquilo em que creio. Acredito na liberdade humana, em sua autonomia moral e intelectual, todavia, só em Jesus podemos ser de fato livres (Gl 5.1). Porém, em nossa liberdade escolhemos ser mais escravos do que de fato senhores de nós mesmos. A liberdade humana é o elemento central para entendermos a realidade circundante; somos livres dentro de nossos próprios limites.
Acredito na inerente corrupção humana herdada do “pecado original”. Somos seres inclinados ao caos, e somente através da supremacia da vontade humana sobre a condição humana podemos vislumbrar uma autêntica atitude revolucionária. Ou seja, foge de nossas possibilidades a capacidade de nos salvarmos. O problema consiste no fato de pouca gente ter entendido isso durante toda a História. O homem, sempre em algum momento dá um jeito de erguer seus “bezerros de ouro”: o dinheiro, o Estado, a tecnologia, a propaganda, o Mercado, tudo isso são produtos da ação humana, que se tornaram potências com suas devidas autonomias. Cada uma delas é independente, possuindo suas próprias leis; governam por si mesmas e sempre, sempre exigirão a total devoção do homem. Durante todas as épocas, sempre houve homens que depositaram sua confiança, segurança e sua esperança no Estado, no dinheiro, no Mercado, etc.
O homem deformou a realidade face a revelação de Deus, criando seus próprios deuses, sendo incapaz de construir com a ajuda exclusiva da moral, uma relação justa com o dinheiro ou qualquer uma das potências citadas. Potências que aniquilam a consciência, controlando ao mesmo tempo a organização objetiva da sociedade e o drama humano.
Todavia, nem a teologia, nem a Bíblia nos dão indicações que permitem decidir sobre a excelência de um sistema econômico ou de governo; não há uma doutrina política cristã. Ora, parece decepcionante não se possuir um sistema que corresponde à fé cristã; no entanto, Jacques Ellul salienta que “nenhum sistema pode nem corresponder a esta realidade nem organizá-la”. Isso porque o cristianismo em si é mais realista e cheio de substância que qualquer um dos três ou quatro sistemas que estão aí disponíveis, querendo estabelecer a organização da sociedade. A Revelação nos mostra qual é a realidade exata do homem e do mundo. E quando nos deparamos com essa Revelação, não encontramos uma filosofia, ou uma política e nem mesmo uma religião. Ellul conclui dizendo: “Nós encontramos um engajamento de um diálogo. Uma palavra pessoal que me é endereçada e que me interroga sobre o que eu faço, sobre o que eu espero e definitivamente sobre o que eu sou”. Somente neste entrelace que há a possibilidade de uma genuína liberdade.
Ora, se por um lado a Bíblia não nos fornece um sistema político ou econômico, por outro, a Revelação nos orienta a conviver com essas potências da maneira mais sóbria possível, sem se deixar escravizar por elas.
O homem escreveu sua própria história, criando seus próprios grilhões, sendo incapaz de se libertar. Shakespeare já nos avisou que a História é verdadeiramente uma narrativa contada por um idiota, é ruído e furor. A História está comprometida, o mundo está comprometido. É por isso que Deus penetra em nossa realidade, como o Filho do Homem, produzindo libertação e esperança na alma daqueles que nele confia; mostrando que a História não é um desenrolar mecânico de uma ordem preestabelecida. Não é pelas suas obras que o homem chega à liberdade; ele precisa ser liberto, precisa ser salvo. O verdadeiro sentido da história é a conclusão na liberdade. Somente Deus porá fim (e o homem terá sua participação) em toda desordem arquitetado pela obsessão humana; porá fim em toda potência que exige do homem adoração, e por fim, em todo engano lançado pelo Inimigo.
Claro, esta conclusão não nos deixa passíveis e confortáveis diante da realidade. Pelo contrário, nos comprometem e nos fazem entrar numa caminhada pessoal de resignação diante das configurações que sustenta o mundo (Rm 12.1). Dessa forma, não há nada mais imbecil do que a tentativa das instituições de santificar a sociedade, o Estado ou o dinheiro. Essa prática sempre se afunilou em desastre, pois o inimigo sempre será irredutível e impessoal; ou seja, o mundo continua mundo, o dinheiro continua dinheiro... A primazia do Evangelho, portanto, é exatamente mostrar essa realidade.

©2015 Lindiberg de Oliveira
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Se ninguém tá vendo, tudo é permitido

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015 Postado por Lindiberg Mustang
Uma pesquisa feita entre os ganhadores dos jogos olímpicos revela que 92% dos entrevistados assumiram que se tivessem a oportunidade de usar uma droga que passasse despercebida no antidoping, ainda que tivesse como consequência a diminuição de 15 anos de suas vidas, eles usariam tranquilamente.
Bem, esse tipo de informação de forma alguma nos espanta, e é justamente a incapacidade de sobressalto que manifesta um esvaziamento total do que se entende por virtude. A atitude desses atletas reflete algo intrigante: não existem mais heróis. O conceito de justiça platônica, como a busca pela ordem da alma, foi suplantado pela retórica sofistica de que além de ser vantajoso ser desonesto, nisto também consiste o bem.
Ninguém precisa ser bom de verdade. Já não há mais resistência em nossa alma à sociedade corrupta que nos cerca. Virtude se tornou apenas mais um produto, um slogan, uma palavra que você coloca junto de alguma outra coisa pra ficar mais digestivo, mas, no final das contas, isso não tem sentido algum. Já não é mais possível internalizar o sentido de virtude aristotélica, como sabedoria prática (virtude intelectual) ou a liberalidade e temperança (virtudes morais). Vivemos numa época diferente, onde o vício se tornou coisa chique; onde liberdade de consciência e liberdade de ação virou uma deus-nos-acuda e, ao mesmo tempo, uma arma nas mãos dos abomináveis.
A política, onde as consequências são mais desastrosas, transformou-se em um ambiente onde a honestidade é algo irrealizável – o discurso de mudança não passa disso: discurso. O jogo político sempre foi apreciado como um bolo delicioso, mas, no entanto, incomestível para aqueles que querem preservar sua alma. É impossível uma política transparente, é insuportável. Se o véu for rasgado todos vomitam, pois irão perceber que Mensalão é coisa de amadores. Dizer que existe uma consciência política soa tão racional quanto eu dizer que a cor amarela pesa cinco quilos. A única racionalidade possível na política é a de Maquiavel, que continua sendo o filósofo da política mais sério até hoje: a razão da política é a conquista e manutenção do poder a qualquer custo.
Mas não é só na política ou no esporte que virtude se tornou mera maquiagem; o engano, a fraude e as tramoias cruzam todos os recintos da vida e, o pior de tudo, é que não é mais possível se escandalizar com isso. Vivemos o drama da falta de caráter em nossa sociedade, onde todos são máscaras ou meras representações.
Institucionalizamos a hipocrisia, e o aplicativo Secret (um tipo de rede social onde todos são anônimos, e por esse caráter, segredos e mentiras são espalhados pela rede) é a maior prova disso, esfregando em nossa cara que a amizade (philia) é quase uma total impossibilidade em nossos dias. A philia pressupõe lealdade, e sem lealdade não existem alianças, não existem laços afetivos com outras pessoas a fim de dar unidade e sentido à própria miséria da existência, que é profundamente solitária. Para Voegelin, philia é a substância fundamental de todas as relações humanas, o vínculo de sentimento, que varia em aspecto, intensidade, e que cria a comunidade no caso concreto.
Por fim, apelar para Deus já não está mais dando certo, pois Deus a cada dia se torna uma mera expressão abstrata, um adesivo no para-brisa de um carro. O Eterno já não é mais uma referência nem mesmo para os crentes, que muitas vezes, aplacados pelas barganhas da religião, abrem um novo mercado para suas mentiras. “Expressões abstratas” (Deus) não podem penitenciar ninguém, e se ninguém tá vendo, tudo é permitido.

O abandono do diálogo e a violência da palavra

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013 Postado por Lindiberg Mustang

Grosso modo, não existe basicamente nenhum tipo de crime hoje, que não tenha acontecido a milênios de anos atrás. Os refinamentos de crueldade adotados hoje são basicamente os mesmo dos nossos antepassados. Não vivemos em um mundo mais violento que antigamente – ou vice-versa; a sutil diferença é que hoje o terror é divulgado com maior competência: o nome do assassino que entra numa escola e faz dezenas de vítimas é mais publicado em jornais e revistas do que o nome do agente que o deteve, ou o das próprias vítimas. Apesar das penitenciárias estarem cada vez mais lotadas, isso de forma alguma é sinônimo de menos violência, sendo a sensação de impunidade – uma das piores que existe – algo tão comum quanto acessar o Facebook.

Se existe um motivo que me deixa convencido de por que nosso mundo seja tão violento, é que, de maneira geral, a violência é delicadamente prazerosa. Quando pensamos a violência como um potencial em direção ao outro, a brincadeira fica bem mais divertida. A história da humanidade é fundamentalmente colorida por guerras e os livros que às narram, quando abertos, “minam sangue”. O prazer na violência está teimosamente embutido em nós, e o Coliseu, que ainda está bem firme, não me deixa mentir. Um dos maiores símbolos do Império Romano, o Coliseu teve sua inauguração com “os jogos de cem dias”, sendo batizado com sangue através de combates de gladiadores, lutas de animais, execuções, batalhas navais, e outros divertimentos não menos sangrentos. As pessoas se detinham durante todo o dia para ver e aplaudir espetáculos no Coliseu com níveis de crueldade altíssimos (as torcidas organizadas dos clubes de futebol, se esforçam bastante para alcançar esses níveis). Hoje, apreciamos isso não mais no Coliseu, mas sentados confortavelmente em nossas poltronas. A violência sempre foi fonte de entretenimento, e uma tecelagem lucrativa bastante explorada – não é por acaso que os games, os filmes e as animações mais violentas, são os de maiores sucessos; um reflexo da obsessão americana de buscar na violência possibilidades redentoras.

Samuel P. Huntington, antigo assessor do Pentágono, refletindo sobre a questão, diz: “A lei e a ordem são os primeiros pré-requisitos da civilização; em grande parte no mundo elas parecem estar evaporando; numa base mundial, a civilização parece, em muitos aspectos, estar cedendo diante da barbárie, gerando a imagem de um fenômeno sem precedentes, uma Idade das Trevas mundial, que se abate sobre a Humanidade”. Ou seja, parece não haver redenção para os homens. Mas lembre-se, caro leitor, o que está ruim nós damos um jeito de ficar pior. Se não basta para o homem recorrer à violência material para conseguir seus fins, descobrimos outro tipo de violência bem mais eficiente, que vou chamar aqui de violência da palavra: a sagacidade, o discurso teológico e político, a diplomacia, a exploração, etc. No fundo é tudo a mesma coisa. A violência da palavra é algo que está sendo internalizado precocemente em nós.

A cada dia, e cada vez mais cedo, somos incentivados a abandonar formalmente a crença na verdade como diálogo para se apropriar de discussões pedantes onde o conhecimento real é confundido com opiniões cabalmente vazias. A violência da palavra sempre existiu na história da literatura, dando vazão para o aprendizado, o exercício intelectual e o enrijecer do censo crítico. Mas hoje, a internet patrocina o pior tipo de violência da palavra – ou talvez o pior tipo de violência, levando em conta que o alvo não é a carne que sangra, mas a alma. Na internet o diálogo é ignorado; a regra é discutir, arrazoar, contender. O bom censo é jogado fora para dar lugar à contenda, à correção, à censura, zombaria, e o rancor pré-estabelecido vai sendo semeado com muita competência. O maior exemplo disso é guerra entre conservadores e marxistas, direita e esquerda, católicos e protestantes. Não existe meio termo pra quem coloca seu ponto de vista sob uma ótica ideológica – isso no Brasil já é um pressuposto obrigatório.

Os ambientes mais propícios pra isso são os blogs, Facebook e twitter. É nesse solo fértil da internet que os embates são mais violentos.  O ódio implantado é surreal, dando lugar a uma universalização arbitraria de desencadeamentos hostis. O MMA, um esporte cada vez mais popular, se torna um jardim de infância comparado com os critérios agressivos endossados na rede. Eis o rasteiro motivo pelo qual retirei a caixa de comentários desse blog tão “espetacular”. Não é que eu não queira um diálogo ou uma aproximação com meus distraídos leitores, mas simplesmente tento evitar que este espaço se torne um reduto para pessoas mais cafajestes que eu – ou talvez eu só não queira ser sucumbido pela vaidade gerada pelos galanteios.

Em meu mundo – ou talvez o que eu tento criar –, a gentileza e o cavalheirismo é a atitude escancarada e mais ambiciosa que define a revolução. Diferente do Facebook, esse mundo não é isento do toque, do beijo, da disponibilidade do abraço; onde o partilhar do pão não é apenas uma figura de linguagem, e o reclinar sobre o peito do amigo acontece nos âmbitos mais elegantes da vida. O Facebook, diferente da vida real, já começa a aparecer seus primeiros traços de decomposição, um reflexo do que aconteceu há milênios de anos na vida real. Não sei o que virá depois, mas nada permanece quando a violência começa a ser um modelo oficial de pesos e medidas. Eu acredito – assim como São Francisco de Assis – que uma aceitável salvação para o mundo seja encarnar o Evangelho da forma mais generosa possível; onde a contemplação de flores e pássaros e a repartição de riqueza seja algo tão natural quanto abrir uma conta de e-mail; essa é a marca irresistível que faz qualquer homem ser amado por alguns e insuportável para outros.

©2013 Lindiberg Mustang

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Deus e a face da violência

segunda-feira, 25 de novembro de 2013 Postado por Lindiberg Mustang


É encantador falar de Deus sem fazer uso do discurso manipulador político e teológico, que geralmente é embutido nas configurações da religião. E é justamente por isso que estou convencido de que falar de Deus “sem falar de Deus” é a maneira mais eficaz de comunicar o Evangelho. Sim, o discurso mais perfeito e organizado, quando usado o nome de Deus, vem encravado em si uma terrível agressão; isso, levando em conta que o objeto do discurso é nada mais nada menos que Deus – a maior ferramenta de manipulação em massa de todos os tempos. Ora, Deus é o fator que dá rosto à violência.

A via da política também é um terrível mecanismo de manipulação, principalmente quando um grupo faz uso de um discurso religioso, pois, imprime em sua ideologia uma moralidade inquestionável, absoluta e inflexível. Isso porque a política mesclada com a religião, sempre pende para uma categoria messiânica, com uma tentativa determinada de implantar a sua utopia no mundo. Mas isso não está ligado, propriamente dito, a um grupo; qualquer pessoa pode se servir, a qualquer momento, dessas estruturas de manipulação e controle, que se mostram eficazes desde tempos pretéritos.

Não vou cometer o erro de achar que muitos desses discursos não possam ser bem-intencionados; de fato os são, mas até esses discursos também vêm carregados de uma agressão que distorce a realidade com a sombra da alienação, interrompendo o bom senso emanado do Evangelho.

O maior perigo do discurso teológico ou político, no entanto, é justamente isso: o engessamento inquestionável do dogma. Todo e qualquer discurso que traga em si esses elementos, por mais bem-intencionados que seja, levará a uma obsessão conservadora para a perfeita compreensão de Deus e da realidade. E foi justamente esse impulso para ideias fixas que acendeu as fogueiras da Inquisição, que conduziu as sangrentas guerras nas Cruzadas e que levou uma classe religiosa a matar o Filho de Deus. Essa obsessão para ser detentor do monopólio da verdadeira interpretação da Bíblia, é que dividiu cristãos entre protestantes e católicos, regendo massacres inimagináveis entre os dois grupos ainda hoje[1]. As divisões se potencializaram, aumentando a cada dia o numero de facções religiosas que se dizem donas da verdade absoluta. É exatamente essa a tentação oculta nas boas intenções. O camarada mais generoso é tentado a sequestrar as ênfases de Jesus, de Paulo e Agostinho, para justificar seus abusos; tudo em nome das boas intenções, sempre representada por uma fome – talvez inconsciente – de poder. O poder, por sua vez, sempre será condicionado pela instituição, pela placa, pela doutrina, o dogma ou a ideologia.

Esse modo fundamentalista e arrogante de achar que só existe uma maneira de entender e interpretar a Bíblia foi bem incorporado pelo conservadorismo. O conservadorismo, talvez seja a maior representação de uma classe que faz uso de um discurso teológico, porém violento, para disseminar a sua ideologia, faz com que a Bíblia se torne a principal ferramenta de dominação, de divisão e exclusão. Usam a Bíblia para controlar Deus, e pintá-lo como um ser tremendamente obcecado pela justiça e totalmente desinteressado pelo amor. Ao mesmo tempo, usam a igreja, em um sentido muito profundo, para catalogar os medos que a sociedade deve ter. Esse é o início para que o discurso religioso conservador venha a se tornar a maior fonte de desumanização já vista: o conservador é o cara que classifica como herege todo aquele que não comunga de sua crença, precisando ser refutado como conceito e eliminado como prática.

O conservador faz isso com extrema dificuldade, pois ele tem que provar que a mensagem de Deus delicadamente moldada pela instituição (pela sua instituição), é uma verdade inalterada e irretocável, ontem, hoje e sempre. É dessa forma que a instituição se manteve preservada até os dias de hoje. Deus, que sempre foi o maior agente de libertação, na boca desse povo se torna o fator da escravidão, da alienação, da dissensão e da exclusão.

Como eu disse acima, a maneira mais eficaz de falar sobre Deus é se abstendo desses mecanismos de controle que está inserido na própria essência bem-intencionada do fator Deus. Mas como falar de Deus sem falar de Deus? Considerando que, desde os primórdios a religião sempre foi uma poderosa arma, servindo superficialmente para exteriorizar certo tipo de espiritualidade, parece não haver outra maneira de falar sobre Deus sem usar uma homília teológica repousada na sombra confortante da instituição. Mas não é bem assim. Jesus, que nunca foi bem aceito nos recintos religiosos, encontrou um jeito mais sofisticado – talvez o único – e singelo para falar de Deus: amando. Começando por chamar Deus de Pai, o Rabi de Nazaré, não saia ventilando teologia, fingindo que Deus pode ser explicado através de conceitos que exclui por definição a tolerância. Pra Jesus, Deus é um Pai, que também tem características de Mãe.

Ao contrário dos teólogos e filósofos, Jesus fugia dos discursos sistemáticos, deixando a entender que a instituição fracassou no seu papel ambicioso de nos apresentar Deus. Mais ambicioso e com mais precaução, Jesus nos apresenta Deus sem deixar uma doutrina. Para o Filho do Homem, uma singela parábola valia mais que um tratado teológico; suas próprias gentilezas definiam Deus mais do que qualquer conceito e explicações. Jesus não era tão ingênuo ao ponto de sair dando explicações sobre a origem do mal, ou a natureza divina; tudo isso ficava descartável, pois seu interesse era algo mais existencial, era o corpo-a-corpo do dia-a-dia. Usar as ferramentas da instituição para explicar Deus de forma conceitual e sistemática, é o mesmo que cobri-lo com o véu da violência; e isso já era bem comum naquele momento. Para Jesus, a natureza de Deus era revelada em suas pequenas comunhões, em sua preocupação com os excluídos, com os perdedores; em sua inserção no mundo para o qual veio redimir. Jesus falava de Deus amando, pois não há outra forma de mostrar Deus ao mundo. 

©2013 Lindiberg Mustang

[1] Sem contar grupos islâmicos e judaicos também usam a bandeira da religião para justificar seus massacres. 

A passividade da igreja

terça-feira, 20 de agosto de 2013 Postado por Lindiberg Mustang
As manifestações que ocorreram esse ano no Brasil fez com que o mundo inteiro olhasse pra nós. Existem alguns pontos negativos, é claro, mas seria impossível iniciar algo nessa proporção com todos os arquétipos bem definidos e organizados. O Brasil presencia dois momentos inusitados diante dessas manifestações; primeiro, a surpreendente hostilização contra qualquer representatividade política. Segundo, a provocação diante de todos os setores de imprensa.
Ora, isso é muito significativo levando em conta que essas duas divisões são, de fato, veículos de manipulação das massas. O povo se cansou. E não foi de partido A, ou de partido B, mas de qualquer representatividade política. Enfastiou-se da exploração e da corrupção partidária – a única bandeira aceita nos protestos são as que têm as cores verde e amarela. Se cansou da manipulação e deturpação da verdade, veiculada pela imprensa, sempre tendenciosa e imparcial. Importa reconhecer que este evento é fruto de uma nova fase da comunicação humana, totalmente aberta, mais democrática, estampada nas redes sociais.
O que me deixa intrigado é a passividade e a indiferença de alguns evangélicos (a maioria claro) diante de tudo isso. O Brasil está acordando, mas a Igreja ainda está sonâmbula. Perdeu a capacidade de se escandalizar com a coisa certa – é mais escândalo uma mulher nua em um outdoor do que uma criança nua, faminta na esquina. Isso é o mesmo que caçar ratos dentro de suas quatro paredes institucionais, enquanto tem leões tragando gente lá fora. Preferem o conforto de suas instituições a sair às ruas clamando por justiça e paz. O que é dito dentro da igreja não muda o mundo; as ações no mundo muda o mundo.
“Mas e a marcha pra Jesus, que reuniu dois milhões de pessoas?”
Poupe-me de sensacionalismo, estou falando de coisa séria, e não de um movimento ufanista e comercial, financiado para promover marcas, cd’s e uma teologia deficiente. A liderança desse movimento preferem os holofotes, preferem os púlpitos a gastar a sola dos seus sapatos juntamente com seu povo. Preferem os discursos moralistas e anacrônicos a se posicionar em favor dos oprimidos e excluídos. Preferem chamar os manifestantes de baderneiros, pois não se submetem as autoridades. Sim, benditos “baderneiros”, que erguem suas vozes com sede de justiça – eles serão saciados. Esqueceram-se de que Jesus, ao purificar o templo, usou um azorrague, espalhou as moedas dos cambistas e virou as mesas (Jo 2.13-17): um baderneiro aos olhos dos religiosos. Baderneiro também por enfrentar as autoridades sacerdotais, desmascarando-as sem a menor restrição (Mt 23). E o que dizer dos apóstolos e dos primeiros cristãos, que foram chamados de “aqueles que causam alvoroço por todo o mundo” (At 17.6), garantindo assim uma subversão ao sistema. A concepção evangélica em relação à autoridade é totalmente deturpada e pagã. Temos que retomar o discurso de Pedro quando diz que “cabe obedecer mais a Deus que aos homens”.
O que dizer de Lutero, que deu início ao Movimento Protestante indo contra todo o império da Igreja Católica, fixando suas 95 teses no castelo de Wittemberg, causando umas das maiores revoltas do século XVI. Esquecemo-nos de nossas raízes, do verdadeiro sentido de ser protestante. Fomos adestrados pelo sistema a adotar a passividade como conduta. Está na hora de acordar. Nessa altura, a revolta é totalmente saudável e benéfico. Patológico é continuar dormindo, inerte e passivo, diante de tanta desigualdade, exploração, corrupção e indiferença da parte do Estado. Não acredito em algum tipo de castigo exemplar para envolvidos em corrupção. Até porque, o povo brasileiro se conforma muito fácil com o tipo de punição midiática que vem atuando: pode até ser corrupto, desde que a mídia cumpra seu papel meticuloso de expor todos os envolvidos em corrupção em praça pública sob chicoteadas sem fim. Depois disso, a população dá-se justiça como feita, a impunidade continua, a mídia muda de pauta e a investigação para.
Minha oração é para que Deus levante uma Igreja legitimamente protestante, que entenda de fato o que quer dizer “não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos”.

©2013 Lindiberg Mustang


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A teologia de Tolkien

domingo, 25 de dezembro de 2011 Postado por Lindiberg Mustang

“Quem abre uma cova nela cairá;
Se alguém rola uma pedra,
Esta rolará de volta sobre ele”.
Salomão, em Provérbios.


J. R. R. Tolkien, ao escrever a trilogia O Senhor dos Anéis, inseriu ali a história da humanidade e implantou a maior de todas as verdades: as lutas, tentações e ambições das criaturas boas ao rejeitar o poder e das criaturas más ao aspira-lo. É absolutamente inegável que uma das principais linhas perpendiculares dessa epopeia é politico.

Tolkien rejeitava a obsessão contemporânea em relação à tecnologia, que mecanizava a alma humana, e sempre desconfiava dos valores políticos, se posicionando a favor de nenhum dos partidos da sua Inglaterra. Nem o comunismo – que em sua época já era conhecido como a personificação do próprio mal, implodindo décadas depois –, e nem a democracia – que foi elevada como ápice da evolução politica e moral –, pareciam vir com propostas lúcidas para a humanidade. Certa vez disse a respeito:

Não sou democrata – apenas porque a “humildade” e a igualdade são princípios espirituais corrompidos pela tentativa de se mecanizá-los e formalizá-los, e como resultado o que temos não é singeleza e humildade universais, mas universais grandeza e orgulho, até que algum Orc resolva se apossar de um Anel do Poder e sejamos então, como estamos sendo, escravizados.

Tolkien desvalia, por mais bem intencionado que fosse, qualquer tipo de controle inconstitucional. Sobre isso ele confessou privadamente numa carta a seu filho Christopher:

Minhas opiniões políticas tendem cada vez mais para a anarquia (compreendida filosoficamente, significando abolição de controle, e não homens barbudos armados de bombas) – ou talvez a uma monarquia aconstitucional. Eu gostaria de poder prender qualquer pessoa que usasse a palavra “Estado” (em qualquer sentido que não para referir-se ao domínio inanimado do solo da Inglaterra e seus habitantes, algo que não tem nem poder, nem direitos nem mente); depois de uma chance de retratação, eu os executaria sumariamente se permanecessem na sua obsessão.

Tolkien trazia em seu coração um novo mundo, onde as pessoas saboreava com a alma os valores e a simplicidade da vida. Sua suspeita ao progresso e aversão pela vida mecanizada, foram inseridos sutilmente em O Senhor dos Anéis. A Terra Média é abitada por seres – como os hobbits e os elfos que quanto mais vivem uma vida simples, mais próximos da perfeição permanecem. São seres que vivem em harmonia com a natureza, sem agredi-la. Vivem na terra, e dela tiram o seu sustento e tudo em quanto, sem que o seu cenário natural seja correspondentemente alterado.

E isso não é tudo, como observou certa vez João do Pó, o que mais diferencia O Senhor dos Anéis de outras odisseias é como os seus heróis lutam para salvar o mundo. Tolkien, ao querer produzir sua própria mitologia, moldou sua história a partir dos grandes épicos e clássicos que tanto admirava, mas com uma diferença. Todas as histórias antigas narram seus heróis em busca de algum artefato poderoso para salvar o mundo. Tolkien resolve ir à contra mão disso tudo. Em O Senhor dos Anéis, para que o mundo seja salvo, os mocinhos tem a missão de destruir um objeto poderoso, e não encontra-lo.

O poder emanado do objeto (o anel) a ser destruído corrompe aquele que o possui, e todos durante a trama são tentados a possuí-lo. Tolkien nos apresenta um desfecho suficientemente peculiar; em um último momento, nosso herói cede às tentações e deseja pra si o poder do anel, levando a um impasse iminente em que um dos vilões arranca o artefato juntamente com o dedo de Frodo, caindo assim, dentro de um vulcão em chamas, indo com ele a glória de salvar o mundo. No final das contas nosso herói não salva o mundo, mostrando assim que todos são corruptíveis diante do poder, e, no entanto, é mostrado que o próprio mal é responsável pela sua destruição.

Tolkien deixa claro em sua obra que o mal é sempre inferior ao bem, admitindo assim algumas verdades dita por seu amigo C. S. Lewis, o qual afirmava que o mal é sempre inferior ao bem, pois, para o mal ser mal, antes de tudo tem que ser um bem corrompido. O anel, sendo apenas anel não passará de um artefato, mas, tendo concebido um hospedeiro toma personificação, o poder toma forma e sempre tenta dar um mergulho ao irremediável absolutismo.

Enfim, Tolkien pinta um retrato convincente do Bem, da Beleza e da Verdade. Deus é visto nas entrelinhas e Sua glória é refletida de forma magistral. Essa é a teologia de Tolkien, esse é o seu legado.

©2011 Lindiberg de Oliveira


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