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Escravidão, racismo e outras coisas

quinta-feira, 15 de outubro de 2015 Postado por Lindiberg Mustang
A escravidão é inegavelmente uma mancha indelével na história da humanidade. Uma prática desde os primórdios da raça humana, a escravidão sempre foi um exercício motivado, em algum ponto, por todos os povos como os hebreus, egípcios, gregos, romanos, vikins; foi uma prática entre os índios da América Latina – os incas na América do Sul e os maias e astecas na América Central. Os negros, na África, também não abriram mão de ter seus escravos.
Hoje, escravidão é uma ideia concebida a partir dos últimos 500 anos e de forma muito generalizada, como se somente negros tivessem sido escravos. Outra ideia equivocada é aquela de que os negros foram totalmente passíveis na história da escravidão. A concepção de que a África foi invadida pelos europeus dominando os negros arbitrariamente pelo simples fato deles serem negros é uma representação superficial que nem sempre corresponde aos fatos — essa versão fruto de uma visão simplista e ideológica da realidade.
Vejamos, a escravidão foi uma instituição política justificada sob a orientação de uma ordem social e também econômica — sendo esta segunda bem mais definida, pois os escravos eram a principal mão de obra utilizada na agricultura. O que pouca gente parece não saber é que antes mesmo dos europeus alcançar a costa oeste do continente, já era rotineiro os reis africanos subjugar seu próprio povo. Há, segundo o historiador Niall Fergunson, registros de escravidão na África ainda no século 2, ou seja, muito antes dos europeus colocarem os pés ali. Como aponta o historiador Paul Lovejoy, que passou décadas no continente africando pesquisando sobre o assunto, a escravização era uma atividade organizada entre os africanos, aprovada pela lei e pela tradição — além de ser algo estrutural da vida social, econômica e políticaA África, séculos antes da chegada dos europeus, foi constituída por impérios, como o de Oyo, que viveram justamente do aprisionamento e tráfico de escravos. Por ser uma prática extremamente lucrativa, os árabes eram seus principais clientes. O Império Egípcio viveu e durou com base na exploração de escravos e os muçulmanos deram continuidade a essa tradição de forma impiedosa.  
Foi somente a partir do século 16 que as excursões portuguesas chegaram à África, e já encontraram ali um mercado de escravos em pleno funcionamento; ou seja, todos os escravos que vieram para as Américas já eram escravos lá. As relações foram pacíficas ao ponto de haver registros de casamentos entre as duas etnias. O comércio era a principal relação girando em torno de produtos como armas de fogo, peles de animais, tecidos, marfim e também escravos. Deste então o comércio se expandiu pra Europa em geral, tendo como a passagem dos europeus pela África a abertura de escolas, hospitais, estradas, e outros benefícios, inclusive a abolição da própria escravatura. Isto é, paradoxalmente, os europeus, que foram os primeiros a comercializar escravos negros no Ocidente, foram também os primeiros a tomar consciência dessa prática repugnante. Foi uma corrente do Iluminismo — uma expressão tipicamente ocidental — que pôs fim à escravidão por meio do movimento abolicionista inglês organizado por cristãos em 1787. Portanto, é seguro lembrar que os primeiros a lutarem contra a escravidão, anotem bem, eram ocidentais, brancos e cristãos. Sem esquecermos, claro, do fato de que ser branco foi algo absolutamente irrelevante nesse processo, principalmente para um abolicionista. Em suma, o Ocidente e o homem branco não inventaram a escravidão — ao contrário, o Ocidente acabou com ela.
O movimento abolicionista teve uma repercussão astronômica, o que faria o tráfico de escravos ser extinto em 1807 em toda Europa, mas, não no mundo. Na América, o comércio escravista ia de vento em popa, sendo o Brasil o último país a aderir a abolição em 1888. Na África, a prática continuou até 1928 na Serra Leoa, e até 1950 no Sudão. No Marrocos só teve fim em 1980, sendo praticado em várias outras partes desta região ainda hoje, de forma ilegal. Resumindo: o homem branco não inventou a escravidão, na verdade pôs fim nela.
Além da pouca vibração sobre esses fatos nos livros que circulam por aí, há também aquela moçadinha que deturpam a história e ainda faz uma equivocada relação entre escravidão e racismo. A relação existe em parte, mas não chega a ser uma relação direta. Racismo é uma insanidade moderna e tem seu desenvolvimento mais expressivo aqui, em terras americanas.
O racismo pode ser definido como uma agressão moral, ou seja, a pretensiosa doutrina que sustenta a superioridade biológica e cultural de determinado povo ou grupo. Essa pretensão teve sua expressão mais violenta nos Estados Unidos. O racismo americano é diferente do racismo brasileiro. Lá o racismo foi estabelecido através do ódio; existe uma apaixonada aversão ao negro que nubla a consciência de vários americanos — principalmente na região sul do país. Como deixa claro o professor Lovejoy, a expressão mais extrema de racismo nos Estados Unidos identifica como african-american qualquer pessoa que é percebido de algum modo como descendentes de africanos: "Uma só gota de sangue afro-americano, e você é negro. Passar a ser branco se torna um conceito. Isto jamais faria sentido em um país com a história do Brasil”.
Os negros, nos Estados Unidos, mesmo depois de livres, foram um povo totalmente marginalizado, sem acesso às dimensões básicas da sociedade: eram proibidos a presença de negros em restaurantes, escolas, igrejas, espaços culturais, clubes, etc. A segregação foi uma realidade formal até a metade do século 20. No Brasil em particular, e na America Latina em geral, as coisas foram mais distintas. Na obra Escravismo no Brasil, Francisco Vidal Luna declara que mesmo diante da escravidão, os negros brasileiros, ao contrário dos indivíduos livres do sul dos Estados Unidos, “não eram, definitivamente, um grupo isolado ou marginalizado, sem acesso aos recursos da economia aberta”. Fergunson também destaca que na America Latina aceitou desde o início a realidade das uniões inter-raciais entre brancos, negros e índios, eram classificados em hierarquia cada vez mais elaboradas. Nos Estados Unidos já houve uma tentativa de proibir tais uniões, ou pelo menos de negar sua legitimidade.
No Brasil, os negros tinham mobilidade e passagem para qualquer camada social; por meio do trabalho, uma parcela dos escravos obtinham sua alforria. Exemplo claro seria Dom Obá II (1845-1890), oficial do exército imperial e amigo pessoal do Imperador. Outro fato interessante é o grande registro de mulheres negras que depois de conseguirem carta de alforria, apesar de carregar o estigma de sua cor, usufruíam contraditoriamente de maior liberdade que as mulheres brancas. Narloch afirma que: “Enquanto as donas ficavam em casa debaixo das decisões do marido e cuidando de sua reputação, as negras circulavam na rua, nas lavras e pelas casas, conversando com quem quisessem e tocando a vida independentemente de maridos”. Os registros de mulheres livres revela outro fato: boa parte delas eram donas de escravos também — e isso não era exceção. Como sugere Gilberto Freire, a alegria do africano marcado pelos rituais e danças, contrabalançou o caráter melancólico do português. Ou seja, a alegria e a bondade do africano são em grande partes responsáveis pela doçura que marca as relações senhor/escravo no Brasil.
Há também vários registros de escravos que se tornaram traficantes e donos de navios negreiros. Alguns bem-sucedidos foram José Francisco dos Santos (Zé Alfaiate), João de Oliveira e Joaquim d’Almeida; todos se tornaram ex-escravos e construíram fortuna em cima de tráfico de gente. Se os negros não viam uma objeção moral à escravidão não era por causa de um fator inconsciênte da subjugação européia, e sim por que em parte os próprios negros se beneficiavam com essa prática. Esta era a consciência da época validado pela lei e pela tradição e não podemos fechar os olhos pra este lado da moeda.
Só podemos entender o racismo no Brasil à luz desta perspectiva. Aqui os negros não foram vítimas de ódio e da repulsa generalizada como foram nos Estados Unidos — lá, a xenofobia pulsou em várias direções: aos negros, índios, irlandeses, chineses, latinos, etc. O racismo no Brasil não se legitima através do ódio de uma luta de classe (branco vs. negros). Reduzir esse fenômeno complexo a uma análise ideológica como esta é definitivamente não entender o assunto.
No Brasil, o racismo é latente pela condição do medo e do desprezo, não do ódio. O negro é estereotipado como “bandido”, marginalizado nas favelas; pintado na mídia como o porteiro do condomínio, como a garçonete do boteco ou como a empregada de alguma madame. Muita gente comprou essa ideia e passou a ver o negro como o pobre que de alguma forma quer obter vantagem pela desonestidade. Alguns olham com o amparo de uma lente vitimista, outros enxergam sob a ótica da impiedade. Os primeiros acham que o problema pode ser remediado com cotas, dando mais oportunidades, implantando ações afirmativas para amenizar a desigualdade. O segundo grupo acham que não existe problema algum — é “faca na caveira”. Os dois grupos são hostis e muitos levam em si um discurso bélico promovendo mais divisão ainda.
Devo concluir dizendo que minha análise não foi gerada através de uma confrontação ideológica, mas puramente de uma curiosidade. Ou seja, não é uma construção de crenças e sim uma investigação de um suposto conflito histórico. Diante de um mundo cada vez mais dividido, sigo caminhando olhando para o ser humano como ser humano e nada mais. Essa divisão entre raças só dá mais munição pro racismo vencer a guerra — no final todos nós seremos perdedores. Há de se entender que um homem não é seu tom de pele, mas a sua consciência — que é colorida apenas por suas perturbações. Assim, distraído leitor, racista é quem faz distinção entre bancos e negros; há raça humana, e racista é quem vai além disso.

©2015 Lindiberg Mustang

Religião, culpa e outras coisas

sábado, 14 de abril de 2012 Postado por Lindiberg Mustang



Considero as instituições religiosas necessárias, mas nenhuma, sagrada — ou eterna. Desconfio piedosamente delas, mas, sobretudo, creio piamente naquilo que Deus instituiu. Ora, para o Nazareno, a Igreja nunca esteve limitada a algum tipo de espaço geográfico, porém, onde estivesse dois ou três em nome dele, ali ele estaria também. E esse ali, não se resume neste ou naquele monte, nem neste ou naquela catedral especifica, porque o que Deus institui, ele estabelece na alma, no coração, simplesmente por que o seu Reino não vem com visível aparência (Lucas 17:20); unicamente por que o seu Império não é comida e nem bebida (Romanos 14:17).
A deficiência das instituições é simplesmente por que elas são instituições, sendo assim, todas elas ambicionam petrificar algo que deveria fluir como um rio. O Novo Testamento não nos dá base para criar algo permanente no âmbito exterior da nossa existência; pois no mundo da experiência e dos fatos, todas as coisas passam por uma sucessão de mudança onde o Espírito trabalha como uma força criativa e dinâmica de vida; diferente das instituições, que na pretensão de perpetuar algo bom, cria um ambiente rígido que paralisa todo movimento criativo da existência.
Consequentemente, a igreja-instituição tem de morrer. “Se o grão de trigo caindo na terra não morrer ele ficará só, mas se ele morrer dará muito fruto”. Muita energia já foi e estão sendo gastas para eternizar o “grão de trigo”, estagnando todas as suas potencialidades. Ora, um elemento com vida cíclica não pode ser perpetuado. O “vinho novo precisa de odres novos”.
O Evangelho não cabe nas maquetes estabelecidas pelas instituições. Nosso compromisso é com o nosso tempo, com os nossos dias. Paulo afirma que Davi serviu sua própria geração segundo a vontade de Deus (Atos 13:36), ou seja, sua genealogia foi perpetuada, mas não as diretrizes seu reino. Vemos que muitas coisas do reinado de Davi foram ignoradas no reinado de Salomão. No Reino inaugurado pela vinda de Cristo também foram rejeitadas várias (se não todas) normas de procedimentos tidas como honrosas do reino de Salomão.
O Evangelho tem um caráter puramente subversivo em relação ao modo institucional da igreja. Jesus derruba todos os lugares-comuns de lideranças hierárquicas, já que para o Nazareno “as autoridades são postas para manter domínio”, porém, entre seus discípulos “não será assim, o maior é aquele que mais serve” (Marcos 10:42-43). Estamos diante de igrejas que querem ser servidas — sem contar nas megalomanias de seus lideres que vivem como se fossem papas protestantes.
Cristo nos instiga a ser livres diante da vida e da existência, todavia, a igreja exclui a liberdade, a poesia e a beleza do Evangelho, restando apenas uma lista com tamanha caduquice, cheia de horários para cumprir e abarrotadas de responsabilidades desinteressantes e cansativas, que na verdade — pasmem — não serve pra nada.
É sempre interessante e sucinto que a igreja use como lubrificante social variadas regras e proibições, e nesse caso é realmente espantoso conceber a liberdade que Cristo nos outorgou. Jesus evitou por completo as armadilhas religiosas e, portanto rasa, de proibição e recompensa. Não gastou um minuto da sua vida ventilando teologia ou reduzindo a ética a uma resposta “sim ou não” para um problema complicado. Era contando historias que ele revelava e apontava o seu Reino. Os ideais de Jesus eram tão ambiciosos que ele não só oferecia liberdade, mas também emancipação e autonomia de escolhas e decisões para cada um de nós: “por que vocês não decidem por si mesmos o que é certo?” pergunta Jesus (Lucas 12:57).
Nenhum autor do Novo Testamento entendeu melhor essa afirmação do que o apóstolo Paulo: “Tudo é puro para os que são puros; mas nada é puro para os impuros” (Tito 1.15), “Por estar unido com o Senhor Jesus, eu estou convencido de que nada é impuro em si mesmo” (Romanos 14.14), “Felizes as pessoas que não se condenam naquilo que aprovam (Romanos 14.23)”. É evidente que essas declarações foram ignoradas sem nenhum peso na consciência ao largo de dois mil anos. E contundentemente Paulo continua:
Portanto, que ninguém faça para vocês leis sobre o que devem comer ou beber, ou sobre os dias santos, Festa da Lua Nova, e o sábado. Tudo isso é apenas uma sombra daquilo que virá; a realidade é Cristo. [...] Vocês morreram com Cristo e por isso estão livres. Então, por que é que vocês estão vivendo como se fossem deste mundo? Não obedeçam mais a regras como estas: “Não toque nesta coisa”, “não prove aquela”, “não pegue naquela”. Todas essas proibições hão de perecer pelo uso. São apenas regras e ensinamentos que as pessoas inventam. De fato, essas regras parecem ser sábias, ao exigirem culto voluntário, falsa humildade e um modo duro de tratar o corpo. Mas tudo isso não tem nenhum valor para controlar as paixões da carne (Colossenses 2.16-23).
O que Paulo está fazendo é lutando efetivamente contra a institucionalização do Evangelho, contra o “trafico da religião” que é o negócio mais rentável do mundo, estando na frente do álcool, da maconha e da cocaína, por exemplo. Desse modo, as instituições trabalham com o débito, com o medo e com a culpa. Com a ausência de débitos, as instituições não tem como sobreviver. A moral controlada pelas religiões deixam numa invariável dívida com Deus, ou com as instituições que o representa, pois são transgredidas constantemente. E isso nos leva à culpa, e a culpa nos leva a vontade de se purificar.
Assim, as autoridades religiosas ou a própria religião é (aparentemente) uma autoridade superior que se obedece não porque ordene o que é “melhor”, mas simplesmente porque ordena, entretanto, questioná-la já é uma imoralidade. É o medo perante essa “inteligência” superior que ordena, que nos leva a agir de cabeça baixa sem o menor senso crítico.
Jesus de Nazaré desmantela todos esses trâmites nos absorvendo incondicionalmente, de forma totalmente integral e — por incrível que pareça — gratuito. Todos esses padrões de débitos, culpas e medo é naufragado no mar da graça. O anúncio de Jesus apresenta a disponibilidade de absorção universal de débitos, culpas e medo. Esse anúncio desfere pancadas não só em instituições religiosas, mas também a qualquer sistema politico ou econômico estabelecido.
Agora entenda uma coisa; você não deve mais nada, tudo já foi pago. Esqueça os ritos, os dogmas, as proibições, as regras, as campanhas, as recompensas, os castigos e todas as ilusões que essas coisas trazem — ou seja, a dívida, a culpa e o medo.
Consegue viver com tamanha liberdade distraído leitor?

©2012 Lindiberg de Oliveira
Leia também:
O poder de quem abriu mão do poder
A religião de Jesus

Deus, mulheres e outras coisas

quinta-feira, 11 de agosto de 2011 Postado por Lindiberg Mustang


Com o modo patriarcal de serem regidas muitas das sociedades antigas, as mulheres raramente tiveram espaço e voz — ao contrário, eram desvalorizadas ao extremo. Uma das raríssimas exceções de exemplos de mulheres no poder é a famosa Cleópatra (69 – 30 aC.): umas das mulheres mais conhecida e proeminentes da história antiga, Cleópatra era grega e conquistou o topo do poder como rainha do Egito. Apesar de ser uma grande negociante, estrategista militar, nunca chegou a ser detentora única do poder. Sempre co-governou com um homem ao seu lado.
Na antiguidade era muito comum as mulheres serem vistas de forma negativa, sempre inferior ao homem e com a postura não muito maior que a de um escravo — isso pode ser confirmado tanto na literatura grega quanto na judaica. Na sociedade grega, onde houve lampejos de uma democracia, as mulheres assim como os escravos não tinham autoridade, sendo totalmente passivas nas questões deliberativas. Nas relações sexuais, muitas delas eram trocadas por homens e submetidas a um simples objeto sexual.
Na mitologia, havia os destaques da bravura e sagacidade de deuses como Poseidon, Apolo e Zeus; mas o panteão também destacava fortemente a presença de mulheres através de figuras como Atena, Afrodite e Hera. As deusas eram contempladas e cultuadas, mas ainda assim era comum, na Grécia, os homens agradecer aos deuses pelo fato de ter nascido grego, livre e homem.
A despeito de muitas mulheres se sobressaírem, tanto na tradição judaica, como na cristã, muitas delas foram reduzidas a um móvel da casa. Historias como a de Eva, Dalila e Batiseba, eram vistas sempre como um tipo de desgraça natural para o homem. Era comum sacerdotes judeus repetirem: “Da mulher provém o início do pecado, e através dela todos nós morremos”. Isso para não parafrasear Adão: “A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi”.
Salomão, que foi um cara extremamente sábio e romântico, coloca a mulher num patamar de beleza deslumbrante — dedicando a elas um livro da Bíblia e vários provérbios —, como também a coloca em níveis baixíssimo (Provérbios 10:7-19, Ec7:26). Platão e Kant, por exemplo, tem em comum o fato de que acreditavam que as mulheres não foram feitas para pensar, sendo este um privilégio dos homens, que se encontravam revertidos naturalmente com a linguagem filosófica e o conhecimento. Diziam que uma mulher instruída era um ser lutando contra sua própria natureza.
Contudo, é na cultura judaica que a mulher exerce papéis monumentais que desencadeiam episódios cruciais para a história dos judeus; episódios esses que não foram suficientes para mudar essa concepção judaica em relação às mulheres — isso porque a Lei já tinha uma legislação prontinha sobre o papel da mulher. Jesus Cristo viria para desconstruir essa ideia e abrir mão de qualquer postura regulatória em favor da mulheres.
É evidente que o mestre de Nazaré foi o único líder da antiguidade a tratar a mulher de forma puramente digna, endossando uma conduta inequivocamente abrangente e nada normatizadora. Numa ótica patriarcal, a mulher era excluída de todo exercício religioso e governamental. Boa parte das correntes rabínicas considerava indigno ensinar a Lei às mulheres, tratando-as num contexto de total submissão ao homem. Como sempre, Jesus andou subversivamente na contramão dessa conjunção cultural. O Filho do Homem era tocado por elas, tinham-nas como discípulas instruindo-as publicamente; era flagrado conversando com elas, sendo tocado por elas e até mesmo sendo presenteado por elas, causando escândalo aos seus discípulos e opositores.
Durante a história, as atitudes de Jesus nem sempre foi bem compreendido; talvez pelo jeito truncado de Paulo escrever, condicionado culturalmente pelo seu tempo, e expor algumas normas orientando que as mulheres ficassem caladas no culto ou que se submetessem aos seus maridos. Certamente Paulo foi o apóstolo que mais entendeu a mensagem de Jesus, entretanto, por não ser um cara tão esperto quanto Jesus — mas cheio das boas intenções — acabou deixando alguns regulamentos entes de morrer. Não deu outra. A postura de Paulo foi mais desejada, aceita e aplicada durante os anos que se passaram, gerando desdobramentos na vida real aonde o controle iria cada vez mais cercar a vida das mulheres.
Apesar disso, é preciso reconhecer que foi a partir do cristianismo que a cultura ocidental foi modelada e a consciência livre da mulher foi dignificada. Jesus exerce seu papel de libertador em relação à mulher e mostra que a liberdade feminina repousa na descoberta da ordem interna de sua consciência, tal como a do homem. É justamente nesse ponto crucial que nos igualamos em humanidade. É em Jesus — com suas curas, ressureições, com o seu modo de repartir o pão com aqueles que não tinham, com o jeito que seus pés eram lavados com lágrimas valiosíssimas — que o corpo passa por uma transição de uma mera prisão com funções biológicas — como vista pelos gregos — para um exemplar sagrado e valioso do Espírito.
É em sociedades primitivas, que não tiveram o toque da graça do Evangelho, que encontramos uma hierarquia muitas vezes bizarra das funções entre homens e mulheres. Comportamento explícito na condição social de mulheres nas tribos nômades da África ou Guaranis. É exatamente em países e culturas que se fecharam ou não tiveram acesso à elegância do pensamento cristão que observamos o condicionamento e a covardia implexa nas relações entre homens e mulheres.
Por isso, há uma beleza irretocável no fato de Deus escolher pousar numa mulher para que essa concedesse o seu filho; isso porque ele poderia escolher descer de várias formas, no entanto, é na mulher que o Espírito resolve pousar e se desenvolver. Um pensamento oriental discerniu com esmero esse conceito e reforça através de certo aforismo hindu:
O Espirito dorme na pedra, sonha numa flor, acorda no animal, sabe que está acordado no homem e sente que está acordado na mulher.
Em Maria o Espírito se desenvolveu em plenitude, pois para ela a fé não era objeto de dissecação, mas sim uma força vital de sobrevivência que a induz numa entrega total. E essa entrega acontece mesmo num solo cheio de dúvidas e questionamentos.
Jesus não se colocou diante das mulheres com uma postura reguladora e autoritária que é o que se esperava na época, e em troca, foi sempre da parte delas que Jesus recebeu os gestos mais afetivos e ousados: as mulheres nunca traíram Jesus como fizeram os apóstolos, inclusive o principal deles, Pedro. Elas foram fieis até o fim, ao pé da cruz e na hora do sepultamento. Não é de se estranhar que justamente o sexo feminino, tão desprezado e oprimido pela supremacia do macho, tenha sido escolhido por Deus para testemunhar o maior evento da história da salvação da humanidade: a ressurreição de Cristo!
Sei que Deus ainda é pintado como uma figura paterna e muitas vezes a igreja representa isso de forma muito severa, no entanto, creio que quando chegar à eternidade vou me deparar nos braços de um Deus-Mãe, que me abraça e me beija, com amor e carinho.
E essa ideia não é minha, não é da igreja e muito menos de Willian P. Young (autor de A Cabana), mas sim de Jesus Cristo. Ora, Jesus apresenta Deus como um pai, que tem as características de uma mãe: como uma galinha que acolhe seus pintinhos (Mt 23:37. Sl 63:7, 91:4); como o pai do filho pródigo, que aguarda o seu filho, e sai pra recebê-lo cheio de misericórdia, ou seja, cheio de entranhas — coisas que as mulheres têm.
Jesus apresenta Deus como mãe ao contar a parábola de uma mulher sai a procurar seu bem mais precioso, e quando encontra se alegra com suas amigas — somos esse bem mais precioso. Enfim, Deus transfigura-se numa beleza maternal, poética e sensitiva que transcende essa concepção tradicional e severa pintada pela religião e que a igreja infelizmente não consegue se desgarrar. Deus não é homem e nem mulher, mas quer ser amando como um pai; e é notável como também ama como uma mãe.

©2011 Lindiberg de Oliveira

Sistemas, capitalismos e outras coisas

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011 Postado por Lindiberg Mustang

O sistema hoje imperante – o do capital -, bem como seu concorrente histórico – o socialismo (hoje em decomposição em vastas partes do mundo) – elaborou métodos próprios de construção coletiva da subjetividade humana. Na verdade, os sistemas, também os religiosos e os ideológicos, somente se mantêm porque conseguem penetrar na mente das pessoas e conseguem construí-las por dentro. O sistema do capital e do mercado conseguiu penetrar em todos os poros da subjetividade pessoal e coletiva, conseguiu determinar o modo de viver, de elaborar as emoções, de relacionar com os outros próximos, com os distantes, com o amor e a amizade, com a vida e com morte. Assim divulga-se subjetivamente o sentimento de que a vida não tem sentido se não vier dotada de símbolos de posse e de status, como um bom consumo de bens, a posse de certos aparelhos eletrônicos, carros, certos objetos de arte e moradia em locais de prestígio.

Os vários sistemas fabricam socialmente o individuo adequado a eles, possuidor das virtudes que os reforçam, assim como contêm as forças que poderiam coloca-los em crise ou permitir a elaboração de uma alternativa para eles, H. Marcuse falava acertadamente da fabricação moderna do homem unidimensional. Em vez de reprimir os impulsos naturais do ser humano, o sistema incentiva alguns, realizando-os de forma intencionalmente empobrecida e reduzida, e recalca outros. Assim, a sexualidade é projetada como mera descarga de tensão emocional mediante o intercâmbio dos órgãos genitais. Oculta-se se verdadeiro caráter, cujo o lugar não é só na cama, mas toda existência humana como potencialidade de ternura, de encontro e de erotização da relação homem/mulher.

Outras vezes satisfazem-se as necessidades ligadas ao ter e ao substituir, e enfatizam-se o desejo de posse, a acumulação de bens materiais e o trabalho, mas somente como produção de riqueza. Na era tecnológica verifica-se na psique a invasão de objetos inanimados, sem nenhuma referência humana – os artefatos criam solidão; os dados da informática e do comutador vêm destituídos de tonalidades afetiva. Gera-se o individualismo, como com personalidades áridas, emotivamente fragmentadas, hostis e anti-sociais. Os outros são vividos como estranhos e como empecilhos a satisfação dos desejos individuais. Oculta-se a outra necessidade fundamental do ser humano, que é a necessidade de ser, de elaborar a sua identidade singular. Aqui não cabem a manipulação e a fabricação coletiva da subjetividade, como tão bem subordinou Félix Guattari, mas a liberdade, a criatividade, a ousadia, o risco de trilhar cainhos difíceis, porém mais pessoais. Ora, tal dimensão é subversiva dos sistemas de regulação social, moral e religiosa. Mas é a partir deles que o ser humano pode enfrentar o mundo do ter, sem se entregar à sua obsessão e ser vitima do seu fetichismo. Bem dizia um indígena americano: “Quando a última árvore for abatida, quando o último rio for envenenado, quando o último peixe for capturado, somente então nos deremos conta de que não se pode comer dinheiro”.


Leonardo Boff, em Ecologia, Mundialização, Espiritualidade 2008.


A imitação de Cristo

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010 Postado por Lindiberg Mustang
Que se cheguem até mim somente as pessoas da qual eu possa chamar de amigos. Exigir mais do isso só distorceria a essência da mensagem que eu deveria está transmitindo. Jesus, que viveu a única vida que lhe cabia, não quis servos, e mostrou da maneira mais doce que amigos é uma das coisas que valia a pena cultivar nessa vida; por isso resolveu chamar de amigos aqueles que se diziam seus servos.
Essa atitude inusitada do rabi de Nazaré foi imitada copiosamente por seus discípulos. Ora, essa imitação — e aqui entra a essência do que quero dizer — não se reduz a repetir suas frases ou atitudes. Imitar Cristo, nesse sentido, entra numa importância mais profunda do que nós imaginamos: seria viver de acordo com sua consciência e liberdade, rastreando cada experiência originária existencializada em suas atitudes. Foi pensando assim que Carl Jung escreveu algo tão visceral que se encacharia muito bem no que quero dizer:
Nós, protestantes, teremos mais cedo ou mais tarde de enfrentar a seguinte questão: devemos entender a Imitação de Cristo no sentido de que devemos copiar sua vida e, se é que posso usar essa expressão, simular seus estigmas; ou no sentido mais profundo de que devemos viver nossas próprias vidas de forma tão verdadeira quanto ele viveu a sua em todas as suas implicações? Não é fácil viver uma vida modelada na de Cristo, mas é indizivelmente mais difícil viver nossa própria vida de forma tão verdadeira quanto Cristo viveu a dele.
O que Jung discerniu, e muito bem, é que o único jeito válido de passar pela vida é vivendo-a sem hipocrisia. É desesperador ser você mesmo. A hipocrisia cega, e são poucos que passam pelo crivo da honestidade da consciência individual. Viver a vida como uma representação e fazer da existência uma imagem coroada com um leque de máscaras: essa é a falsa devoção que tanto indignou Jesus.
Prostitutas, endemoninhados, ladrões e todo tipo de gente tiveram seu espaço ao lado do Mestre, mas os hipócritas, esses Jesus não tolerava; e claro, Jesus também era intragável pra esse tipo de gente (Mt 23).

©2010 Lindiberg de Oliveira