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Escravidão, racismo e outras coisas

quinta-feira, 15 de outubro de 2015 Postado por Lindiberg Mustang
A escravidão é inegavelmente uma mancha indelével na história da humanidade. Uma prática desde os primórdios da raça humana, a escravidão sempre foi um exercício motivado, em algum ponto, por todos os povos como os hebreus, egípcios, gregos, romanos, vikins; foi uma prática entre os índios da América Latina – os incas na América do Sul e os maias e astecas na América Central. Os negros, na África, também não abriram mão de ter seus escravos.
Hoje, escravidão é uma ideia concebida a partir dos últimos 500 anos e de forma muito generalizada, como se somente negros tivessem sido escravos. Outra ideia equivocada é aquela de que os negros foram totalmente passíveis na história da escravidão. A concepção de que a África foi invadida pelos europeus dominando os negros arbitrariamente pelo simples fato deles serem negros é uma representação superficial que nem sempre corresponde aos fatos — essa versão fruto de uma visão simplista e ideológica da realidade.
Vejamos, a escravidão foi uma instituição política justificada sob a orientação de uma ordem social e também econômica — sendo esta segunda bem mais definida, pois os escravos eram a principal mão de obra utilizada na agricultura. O que pouca gente parece não saber é que antes mesmo dos europeus alcançar a costa oeste do continente, já era rotineiro os reis africanos subjugar seu próprio povo. Há, segundo o historiador Niall Fergunson, registros de escravidão na África ainda no século 2, ou seja, muito antes dos europeus colocarem os pés ali. Como aponta o historiador Paul Lovejoy, que passou décadas no continente africando pesquisando sobre o assunto, a escravização era uma atividade organizada entre os africanos, aprovada pela lei e pela tradição — além de ser algo estrutural da vida social, econômica e políticaA África, séculos antes da chegada dos europeus, foi constituída por impérios, como o de Oyo, que viveram justamente do aprisionamento e tráfico de escravos. Por ser uma prática extremamente lucrativa, os árabes eram seus principais clientes. O Império Egípcio viveu e durou com base na exploração de escravos e os muçulmanos deram continuidade a essa tradição de forma impiedosa.  
Foi somente a partir do século 16 que as excursões portuguesas chegaram à África, e já encontraram ali um mercado de escravos em pleno funcionamento; ou seja, todos os escravos que vieram para as Américas já eram escravos lá. As relações foram pacíficas ao ponto de haver registros de casamentos entre as duas etnias. O comércio era a principal relação girando em torno de produtos como armas de fogo, peles de animais, tecidos, marfim e também escravos. Deste então o comércio se expandiu pra Europa em geral, tendo como a passagem dos europeus pela África a abertura de escolas, hospitais, estradas, e outros benefícios, inclusive a abolição da própria escravatura. Isto é, paradoxalmente, os europeus, que foram os primeiros a comercializar escravos negros no Ocidente, foram também os primeiros a tomar consciência dessa prática repugnante. Foi uma corrente do Iluminismo — uma expressão tipicamente ocidental — que pôs fim à escravidão por meio do movimento abolicionista inglês organizado por cristãos em 1787. Portanto, é seguro lembrar que os primeiros a lutarem contra a escravidão, anotem bem, eram ocidentais, brancos e cristãos. Sem esquecermos, claro, do fato de que ser branco foi algo absolutamente irrelevante nesse processo, principalmente para um abolicionista. Em suma, o Ocidente e o homem branco não inventaram a escravidão — ao contrário, o Ocidente acabou com ela.
O movimento abolicionista teve uma repercussão astronômica, o que faria o tráfico de escravos ser extinto em 1807 em toda Europa, mas, não no mundo. Na América, o comércio escravista ia de vento em popa, sendo o Brasil o último país a aderir a abolição em 1888. Na África, a prática continuou até 1928 na Serra Leoa, e até 1950 no Sudão. No Marrocos só teve fim em 1980, sendo praticado em várias outras partes desta região ainda hoje, de forma ilegal. Resumindo: o homem branco não inventou a escravidão, na verdade pôs fim nela.
Além da pouca vibração sobre esses fatos nos livros que circulam por aí, há também aquela moçadinha que deturpam a história e ainda faz uma equivocada relação entre escravidão e racismo. A relação existe em parte, mas não chega a ser uma relação direta. Racismo é uma insanidade moderna e tem seu desenvolvimento mais expressivo aqui, em terras americanas.
O racismo pode ser definido como uma agressão moral, ou seja, a pretensiosa doutrina que sustenta a superioridade biológica e cultural de determinado povo ou grupo. Essa pretensão teve sua expressão mais violenta nos Estados Unidos. O racismo americano é diferente do racismo brasileiro. Lá o racismo foi estabelecido através do ódio; existe uma apaixonada aversão ao negro que nubla a consciência de vários americanos — principalmente na região sul do país. Como deixa claro o professor Lovejoy, a expressão mais extrema de racismo nos Estados Unidos identifica como african-american qualquer pessoa que é percebido de algum modo como descendentes de africanos: "Uma só gota de sangue afro-americano, e você é negro. Passar a ser branco se torna um conceito. Isto jamais faria sentido em um país com a história do Brasil”.
Os negros, nos Estados Unidos, mesmo depois de livres, foram um povo totalmente marginalizado, sem acesso às dimensões básicas da sociedade: eram proibidos a presença de negros em restaurantes, escolas, igrejas, espaços culturais, clubes, etc. A segregação foi uma realidade formal até a metade do século 20. No Brasil em particular, e na America Latina em geral, as coisas foram mais distintas. Na obra Escravismo no Brasil, Francisco Vidal Luna declara que mesmo diante da escravidão, os negros brasileiros, ao contrário dos indivíduos livres do sul dos Estados Unidos, “não eram, definitivamente, um grupo isolado ou marginalizado, sem acesso aos recursos da economia aberta”. Fergunson também destaca que na America Latina aceitou desde o início a realidade das uniões inter-raciais entre brancos, negros e índios, eram classificados em hierarquia cada vez mais elaboradas. Nos Estados Unidos já houve uma tentativa de proibir tais uniões, ou pelo menos de negar sua legitimidade.
No Brasil, os negros tinham mobilidade e passagem para qualquer camada social; por meio do trabalho, uma parcela dos escravos obtinham sua alforria. Exemplo claro seria Dom Obá II (1845-1890), oficial do exército imperial e amigo pessoal do Imperador. Outro fato interessante é o grande registro de mulheres negras que depois de conseguirem carta de alforria, apesar de carregar o estigma de sua cor, usufruíam contraditoriamente de maior liberdade que as mulheres brancas. Narloch afirma que: “Enquanto as donas ficavam em casa debaixo das decisões do marido e cuidando de sua reputação, as negras circulavam na rua, nas lavras e pelas casas, conversando com quem quisessem e tocando a vida independentemente de maridos”. Os registros de mulheres livres revela outro fato: boa parte delas eram donas de escravos também — e isso não era exceção. Como sugere Gilberto Freire, a alegria do africano marcado pelos rituais e danças, contrabalançou o caráter melancólico do português. Ou seja, a alegria e a bondade do africano são em grande partes responsáveis pela doçura que marca as relações senhor/escravo no Brasil.
Há também vários registros de escravos que se tornaram traficantes e donos de navios negreiros. Alguns bem-sucedidos foram José Francisco dos Santos (Zé Alfaiate), João de Oliveira e Joaquim d’Almeida; todos se tornaram ex-escravos e construíram fortuna em cima de tráfico de gente. Se os negros não viam uma objeção moral à escravidão não era por causa de um fator inconsciênte da subjugação européia, e sim por que em parte os próprios negros se beneficiavam com essa prática. Esta era a consciência da época validado pela lei e pela tradição e não podemos fechar os olhos pra este lado da moeda.
Só podemos entender o racismo no Brasil à luz desta perspectiva. Aqui os negros não foram vítimas de ódio e da repulsa generalizada como foram nos Estados Unidos — lá, a xenofobia pulsou em várias direções: aos negros, índios, irlandeses, chineses, latinos, etc. O racismo no Brasil não se legitima através do ódio de uma luta de classe (branco vs. negros). Reduzir esse fenômeno complexo a uma análise ideológica como esta é definitivamente não entender o assunto.
No Brasil, o racismo é latente pela condição do medo e do desprezo, não do ódio. O negro é estereotipado como “bandido”, marginalizado nas favelas; pintado na mídia como o porteiro do condomínio, como a garçonete do boteco ou como a empregada de alguma madame. Muita gente comprou essa ideia e passou a ver o negro como o pobre que de alguma forma quer obter vantagem pela desonestidade. Alguns olham com o amparo de uma lente vitimista, outros enxergam sob a ótica da impiedade. Os primeiros acham que o problema pode ser remediado com cotas, dando mais oportunidades, implantando ações afirmativas para amenizar a desigualdade. O segundo grupo acham que não existe problema algum — é “faca na caveira”. Os dois grupos são hostis e muitos levam em si um discurso bélico promovendo mais divisão ainda.
Devo concluir dizendo que minha análise não foi gerada através de uma confrontação ideológica, mas puramente de uma curiosidade. Ou seja, não é uma construção de crenças e sim uma investigação de um suposto conflito histórico. Diante de um mundo cada vez mais dividido, sigo caminhando olhando para o ser humano como ser humano e nada mais. Essa divisão entre raças só dá mais munição pro racismo vencer a guerra — no final todos nós seremos perdedores. Há de se entender que um homem não é seu tom de pele, mas a sua consciência — que é colorida apenas por suas perturbações. Assim, distraído leitor, racista é quem faz distinção entre bancos e negros; há raça humana, e racista é quem vai além disso.

©2015 Lindiberg Mustang

Os limites institucionais

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014 Postado por Lindiberg Mustang
É muito significativo a fragmentação institucional do cristianismo neste último século. Claro, uma análise bem sucedida sobre este fenômeno comporia um livro, certamente; no entanto, vou me deter somente em poucas e rasas linhas.
Estou convencido de que essa fragmentação dentro do cristianismo tem seu princípio nas próprias configurações da instituição; ora, as instituições religiosas carrega em si mesmas o germe de sua própria ruína. Mas talvez eu esteja me adiantando, caro leitor; vamos primeiro compreender o cenário religioso que influenciou todo o ocidente.
Grosso modo, o cristianismo pode ser dividido em duas facções: catolicismo e protestantismo. O catolicismo pode ser visto como uma instituição muito bem definida; não cedendo às variações, às crenças e costumes das épocas, sempre se comportou como uma instituição inflexível no decorrer da história. Apesar dos partidos que ora e outra se divergem dentro da própria igreja, como os franciscanos, jesuítas, movimento carismático, etc., é comum todos darem as mãos formando uma unidade dentro da própria instituição. Bem, não é assim no protestantismo.
O protestantismo tem como parteira o desconforto e a reação de Lutero e Calvino diante de alguns abusos do catolicismo. No entanto, o protestantismo não se saiu melhor; foi construído sob dissenções e brigas, que consequentemente gerou várias outras no decorrer de seu desenvolvimento. Cada um dos grupos gerado por essas dissenções se apropriava da Revelação dizendo-se dona do monopólio divino. As igrejas oriundas da Reforma como Anabatista, Luterana, Anglicana, Presbiteriana, foram gerando outras com discursos tão fundamentalistas quanto estas; “nós somos a igreja verdadeira e o resto é fake”. Vale dizer também que nesse contexto, as disputas entre católicos e protestantes se transformou em um campo de batalha sangrento, onde os princípios mais básicos do Evangelho foram ignorados.
Ainda hoje, dentro do protestantismo, há várias instituições que carregam em seus dogmas a convicção de ser ela o “último Bastião de Deus”. Igrejas como Adventista, Testemunhas de Jeová, Congregação Cristã, Mormons, etc., rejeitam qualquer tipo de diálogo que coloquem em xeque suas autoridades institucionais como “igrejas verdadeiras”. Ou seja, não há unidade no protestantismo; o que há é uma delicada obsessão pela placa, pela bandeira, pelo grupinho; o que há é uma grande concorrência no mercado religioso pra ver qual é a instituição que oferece a “verdade” mais digestível. Nem mesmo na presente época, onde ser de Deus virou modinha, conseguimos superar as fronteiras desse caldo institucional. A geração de evangélicos atuais é herdeira desse mal que se fermentou ao longo dos séculos.
Jesus é a superação desses limites institucionais, já que, Deus não tem religião. O Rabi de Nazaré veio desmantelar todo esse arcabouço religioso que nós insistimos em edificar; desconstruiu toda estrutura hierárquica de relacionamentos em que as igrejas insistem recosturar; implantou a união entre os homens e Deus, enquanto a religião segue promovendo suas divisões; com sua morte, Jesus removeu todas as indulgências, penitências e débitos, que são abraçados tanto por quem se diz evangélico quanto por católicos; instituiu a graça como base para salvação, sendo que nós a pisoteamos todos os dias, pois achamos que podemos ser salvos através de nossos próprios esforços, pela quantidade de tempo que oramos, jejuamos ou falamos de Deus no Facebook.
A religião não sabe como amar; ela só reconhece suas próprias demarcações. A religião é responsável por transformar tudo numa grande efusão espiritual que embevece, alucina, entorpece as multidões, sem que o Evangelho seja anunciado e refletido. Jesus veio estabelecer a ordem na alma e desatar esse nó em que muitos insistem em permanecer amarrado. Não existe mais um espaço geográfico para fixar o limite do agir divino, “não é neste monte e nem em Jerusalém” (Jo. 4:21); o mundo todo é o limite de Deus; seu templo é feito de carne e sangue, e não de tijolos. E é através de carne e sangue que a boa nova é transmitida.

Da escolha para o inferno

terça-feira, 9 de abril de 2013 Postado por Lindiberg Mustang
Ponderar sobre o inferno sempre desemboca em várias contradições grotescas – e é provável que esse texto também caia nessa ciranda. Portanto, essa é minha tentativa dialética de demostrar minha posição sobre o inferno, a liberdade e em especial a Graça. Apesar de não parecer, esse texto me consumiu tempo considerável de leituras, redação e muita reflexão. Levando isso em conta, creio que será edificante lê-lo por mais que discordem. 
Gravura de Gustave Doré (século XIX), representando Dante e Virgílio no lago Cócito, que segundo a obra de Dante Alighieri, seria o lugar mais profundo do inferno.
Quero começar dizendo que pouco refleti sobre o inferno, pois sempre me pareceu um assunto irrelevante, até o momento em que li, em 2010, a singela obra de C. S. Lewis, O grande abismo, que com grande inspiração me fez compreender o cerne de toda essa doutrina, que nem de longe passa a ser a mais importante, mas de todas, ela é provavelmente a mais difícil e a mais incômoda.
A doutrina do inferno é facilmente abandonada por muitos porque geralmente põe em xeque o amor de Deus, dando vazão à vingança, crueldade e falta de misericórdia. Nesse caso, rejeitar o inferno é pressupor que Jesus seja mentiroso, pois ele foi muito mais enfático sobre o assunto do que qualquer outra pessoa na Bíblia. Razão pela qual Bertrand Russell acreditava ser um defeito sério do Nazareno. Segundo Russell, Jesus tinha o hábito de ameaçar ferozmente com o fogo eterno quem não concordasse com seus ensinamentos. Repetidamente usou palavras fortes e incutiu terrores imensos na mente de seus discípulos, usando a ameaça do castigo eterno àqueles que não o seguissem. Tal atitude, diz Russell, nunca foi vista em Sócrates ou Buda, por exemplo, sempre cortês e respeitosos com os que não concordavam com eles.
Meu objetivo não é conciliar Jesus com essas objeções, porque a maioria delas é falaciosa, concebendo o inferno e o discurso de Jesus de uma maneira distorcida. Ora, Jesus ensinou a misericórdia e a justiça, o amor e o juízo, discorreu sobre o céu e também sobre o inferno. Não como ameaças, pois o que temos são claras advertências. Dizer que é imoral o caso de Jesus advertir sobre o Inferno é o mesmo que dizer que também seja imoral o fato de uma mãe aconselhar seu filho a não brincar com fogo. Todavia, como Caio Fábio sabiamente expressa, quando o Filho do Homem toca nesse assunto, “geralmente, o destinatário era a religião certa de suas certezas, e presunçosa em sua suposta superioridade sobre os demais homens da Terra. Esse não era um papo que Jesus levava com os publicanos, meretrizes e pecadores em geral. A esses Ele falava de uma vida nova e cheia de paz e perdão”.
O Inferno como uma possibilidade a partir de uma escolha
Apesar de algumas parábolas supostamente sugerir que Deus condenará os maus ao inferno – como a do joio no meio do trigo –, estou convencido de que todos são o que são graças ao uso ou abuso de sua liberdade. Desse modo, sou eu, e não Deus quem decide o meu destino. Se estivesse na orbita da soberania de Deus determinar quem vai para o céu ou inferno, o Eterno só poderia escolher o céu para nos enviar, pois a essência do seu caráter é o amor (1 Jo 4.8). “O desejo de Deus é que todos os homens se salvem”; que nenhum se perca; que todos venham conhecê-lo plenamente (1Tm 2.4). Nessa perspectiva, o inferno não se transforma numa possibilidade de determinismo divino, mas está implexo a atos volitivos existencialmente pessoais. Está ligada a escolha do homem e não a soberania de Deus.
Muitos escolherão ser no inferno, porque o céu, logo, será insuportável. Optarão pelo sofrimento sendo “condenação para si mesmo” (Tt 3.11). E esse fenômeno começa aqui, agora, no momento presente, no campo existencial, pois o julgamento é algo que acontece cá e não no porvir, depois da morte: “Quem não crer já está jugado” (Jo 3.18). O inferno só pode ser concebido nessa perspectiva, ou seja, na ótica da liberdade do homem. Essa é a liberdade que rejeita a graça e que dá as costas à Vida. Nisto consiste a condenação: a relutância da criatura em ser atraído ao Eterno, ou seja, o amor às trevas e a rejeição à Luz (Jo 3.19): “são os que disseram a Deus: Retira-te de nós! Não desejamos conhecer os teus caminhos” (Jó 21.14).
Da mesma forma, a sentença para aqueles que creem em Jesus, é que, “aquele que crer não é condenado”. Não diz que não será. Aqui o verbo também está no presente. E aqueles que creem, não são condenados simplesmente por que ouviram uma mensagem evangélica e resolveram acreditar em Deus ou confessá-lo verbalmente. O crer em Jesus não entra nessa esfera da banalidade. Creem por que conceberam a simplicidade da Palavra, foram sensíveis à graça e resolveram viver a radicalidade do Evangelho: para esses não há condenação (Rm 8.1). Esses são os que não vivem sob o julgo da religião, são os que amam, e por amarem são “nascidos de Deus e conhece a Deus”. Talvez o mundo os condene. Sim, poderão ser condenado pelo mundo, mas não com o mundo.
O castigo como ética natural
O inferno também é uma manifestação do amor divino, e como tal, não pode ser concebido genericamente como um ato punitivo. Não é uma vingança cósmica como muitos imaginam ou temem.
Peter Kreeft, em seu Manual de defesa da fé, faz uma distinção entre castigo como lei positiva e castigo como lei natural. A primeira é operada por aquele que estabeleceu as regras, sendo sujeitas a mudanças e muitas vezes não são necessárias. Exemplos de uma lei positiva seriam: “se comer a sobremesa antes da refeição será castigado”; ou “se for pego fumando aqui será multado”. A lei natural por sua vez, tem um aspecto mais prático e científico. Suas penalidades são intrínsecas, necessárias e indispensáveis: “se comer a sobremesa antes da refeição perderá o apetite”; “se fumar poderá lhe acometer um câncer”; “se tomar veneno morrerá”. Dessa forma, o inferno se torna fatal pela lei natural, pois qualquer alma humana que recuse livremente a única Fonte de toda a vida encontra inevitavelmente a morte. Desse modo, não devemos pensar na danação como uma sentença imposta ao homem mau, mas como o simples fato de ser o que ele é, ou seja, um ser que abraçou o egoísmo, o ódio, o orgulho, a maldade e todas as implicações decorrentes dessa atitude. O interessante é que o resultado sempre desemboca na liberdade, pois diante do amor de Deus, a realidade do inferno só pode ser entendida dessa maneira.
Fogo eterno ou condenação eterna?
A meu ver, todo erro sobre o “inferno eterno” professado por boa parte dos cristãos está em que eles consideram o inferno um determinado “lugar”, com definida localização geográfica, lugar esse criado por Deus para castigo dos seus inimigos. Ora, esse erro não é encontrado no Antigo nem no Novo Testamento. No Antigo Testamento não há alusões a um inferno de punições, sendo a sepultura – um lugar onde não há consciência –, o único destino para os maus. Ao passo que, os homens justos e bons, que caminharam em nobreza e fugiram da iniquidade se reunirão a seus pais após a morte. Ou seja, a noção de inferno nas Escrituras não nasceu pronta, e não existe no Antigo Testamento um esquema acentuado sobre o tema. O Novo Testamento, por sua vez, lida com o assunto de forma mais definida e marcante, se apropriando de figuras correspondentes a nossa realidade, usando uma fenomenologia física, para descrever a imaterialidade, não localizável, não espaço temporal do inferno. O inferno neotestamentário não é local, é dimensional.
As Escrituras em todo momento se apropria de uma linguagem mítica, alegórica e figurativa. Isso por que o homem em qualquer lugar e geração precisou de analogias e metáforas para poder internalizar conceitos. De outro modo isso não seria possível. Só podemos conceber e internalizar temas como céu, inferno, criação ou fim dos tempos se manifestados a priori numa linguagem mítica.
Nesse compasso, o inferno, na boca de Jesus, é definido com categorias relativas, ao qual se pode sair. Ora, para o Evangelho, aquele que, sem motivo, irar contra seu irmão, proferir insulto ou chama-lo de Tolo (o assassino verbal que nulifica seu irmão), já é um habitante do inferno. O concelho de Jesus é para que haja reconciliação entre ambos, antes que “o adversário te entregue ao juiz, e o juiz, ao oficial de justiça, e sejas recolhido à prisão. Em verdade te digo que não sairás dali, enquanto não pagares o último centavo” (Mt 5.25-26). Jesus, usando uma linguagem romana (juiz, oficial de justiça) relativiza o inferno, deixando a entender que é um estado em que se possa sair. Usando a mesma linguagem na parábola do credor incompassivo, o Nazareno registra um episódio em que um homem devia um valor impagável, e que, portanto, foi perdoado (Reinos dos céus). Esse homem que é agraciado com o perdão age impiedosamente contra o seu servo, sufocando-o e o lançando na prisão por dívidas medíocres. Esse, igualmente, é abitado pelo inferno, e será preso pela sua impiedade e não será liberto até que pague tudo que deva.
Esse é um inferno puramente existencial. São aqueles que, antes de tudo, são habitados pelo inferno, por todas as agonias do ódio, da impiedade, dos julgamentos, do medo, enfim, esse inferno tem sua saída pela conversão. Por outro lado, Jesus define o inferno como Geena, ou Vale de Hinom (onde o fogo não apaga e o verme não morre), que era o antigo depósito de lixo em Israel. Essa metáfora sobre o inferno qualquer um em Jerusalém entenderia, assumindo, dessa vez, na boca de Jesus, uma categoria semi-absoluta.
Apesar de durar uma eternidade, esse inferno, acredite, também tem um fim. Por isso é definido como semi-absoluto. Ora, são incompatíveis todas as hipóteses de um inferno eterno-absoluto com o caráter do Pai de Jesus. Para aqueles que creem que tudo foi criado do nada (creatio ex nihilo), ou seja, que tudo teve sua origem da mais pura vacuidade, é possível conceber um inferno eterno-absoluto. Nesse caso, não existe entre Deus e sua criação uma afinidade ou uma semelhança substancial para que voltem a sua primeira origem; segundo essa concepção dualista substancial, o máximo que poderia acontecer é regressar ao nada de onde saíram. Como diz Huberto Rohden, “para um filho do nada, (...) a conclusão mais lógica seria o completo aniquilamento, a extinção total do pecador impenitente”. Mas a maioria dos teólogos não aceita a aniquilação, anunciando assim uma vida de tormentos intermináveis ao pecador. Isso faz de Deus – Deus da “justiça e do amor” – um monstro indizivelmente assombroso. Rohden desconstrói essa “lógica” da seguinte forma:
“Em vez de reduzir misericordiosamente ao nada o que do nada veio, prefere Deus, segundo esses teólogos, conservar eternamente o pecador em indizíveis tormentos, não lhe permitindo sequer que se arrependa do seu pecado, cometido talvez num segundo de desatino moral. E estranham, depois, que haja ateus e agnósticos no seio do cristianismo. De fato, não há ateus fora do mundo cristão; o ateísmo é produto típico, não do cristianismo de Cristo, mas da teologia de certos cristãos”.
Não quero propor um aniquilamento, mas, em última análise, essa teologia dualista relaciona Deus a um tirano que possibilita sua criatura sofrer uma eternidade inutilmente. É um absurdo arquitetar o inferno como punição sem fim para pecados temporais. Orígenes (uns dos pais da Igreja do século II) nos ensina que o princípio de todo castigo está associado a uma intenção pedagógica como possibilidade de levar o pecador a melhores sentimentos e caminhos mais puros, como a própria palavra latina indica: castigare (castum + agere = “fazer puro” ou “purificar”); “pois o Senhor disciplina a quem ama, e castiga todo aquele a quem aceita como filho” (Hb 12.6). Logo, o inferno também é uma expressão do amor de Deus, que lapida a sua criatura.
Jesus disse que certas pessoas “irão para o castigo eterno” (Mt 25.46). Sim, mas para entendermos essa expressão temos que entender de fato o que é eternidade. A eternidade não é a longevidade do tempo, mas sim a sua inexistência. Não é linearidade do Cronos, mas sua total extinção. Logo, o inferno sendo eterno, inexiste como tempo, pois será algo que acontece no não-tempo: sendo, portanto, não um lugar, mas um fenômeno de natureza dimensional e existencial (por isso o Julgamento é no Agora). Mas observe que só poderemos falar no não-tempo com categorias de tempo – até as Escrituras agem assim. É por isso que, se por um lado as Escrituras falam de castigo eterno, por outro, diz que “a misericórdia do Senhor é de eternidade a eternidade” (Sl 103.17).
Em sua Suma Teológica, Tomás de Aquino nos mostra meticulosamente que “Deus comunica (ou compartilha) a sua eternidade a certos seres”: os anjos; fala-se dos frutos eternos (Dt 33.15). Isso não quer dizer que a qualidade desses seres é a perenidade sem fim, pois compreendemos que só Deus é o Eterno-Absoluto-Imensurável de fato. Como sugere alguns textos sagrados, a eternidade parece ter uma semelhança a períodos indefinidos (aéon) de existência – novamente me expresso com categorias de tempo: “Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu és Deus” (Sl 90.2); diz ainda que os santos “receberão o reino e o possuirão para todo o sempre, de eternidade em eternidade” (Dn 7.18); também encontramos essa expressão no plural na boca de Isaias, que proclama a salvação “pelo Senhor; pelo que não sereis envergonhados, nem confundidos em todas as eternidades” (Is 45.17). Tomando esses textos por verdades, entendemos que a “condenação eterna” não é um “tempão imensurável”, e que, o que a maioria das pessoas entende sobre o inferno não passa de uma invenção de homens com os inconscientes perturbados; pessoas com os espíritos abraçados pelo ódio; gente que não discerniu, de passagem, o amor e a graça de Deus.
Uma nova chance para o Amor
As Escrituras revelam pela pena de Pedro que Jesus desceu ao tártaro e pregou a libertação aos espíritos em prisão que foram desobedientes quando a misericórdia de Deus aguardava nos dias de Noé antes de vir o dilúvio. Sim, aquela geração inteira que permaneceu dura ainda teve outra chance. Por isso é que foi dito: "Quando ele subiu em triunfo às alturas, levou cativo muitos prisioneiros, e deu dons aos homens" (Ef 4:8). Isso, todavia, ainda é secundário, porque o que de fato importa é como as coisas terminam; é o retorno às moradas preparada pelo Filho; é quando Deus, em Cristo, reconcilia todas as coisas com ele mesmo. Ora, fomos criados a partir do próprio Deus, “pois nele vivemos, nos movemos e existimos, (...) Também somos descendência dele” (At 17.28), e não do nada, como foi dito anteriormente; nada é criado do Nada. Isso é metafisicamente ilógico, impossível. Diante de Deus o nada inexiste, pois ele preenche toda a realidade. Compartilhamos a essência do Criador, “somos participantes da sua natureza” (2Pd 1.4), e como tal é inevitável dizer que todas as coisas voltam, finalmente a sua origem: Viemos de Deus e para ele voltaremos, cedo ou tarde. Afinal de contas, existe em nós um “anseio pela eternidade” (Ec 3.11). Agostinho cristaliza essa grande verdade quando afirma: “Fizeste-nos para ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração, até que encontre quietação em ti”.
Neste sistema não cabe nenhum inferno sem fim. Longe de ser um universalismo, o que entra em questão aqui é que por mais intensamente livre seja uma criatura, e por mais que ela, pelo uso ou abuso da sua liberdade, se afaste da sua origem divina, é inconcebível que ela se separe de Deus pra sempre, fugindo por assim dizer, pela “tangente” e perdendo-se para sempre nas zonas noturnas de um ateísmo irrevogável. O ser humano é o único autor do seu inferno, e só ele pode pôr termo a essa agrura. Deus não colaborou para que o homem “ascendesse” ao inferno, mas como disse Agostinho, não existe lugar onde alguém se possa afastar de Deus de modo absoluto. Nem mesmo no inferno haverá uma ruptura total de Deus, havendo ao contrário a possibilidade de um retorno.
Enfim, existe o inferno que alguns experimentarão aqui, na sua existência. Se não houver conversão, sentirão o tormento naquele lapso de consciência eterna, onde alguns dirão “está morto”, mas para Jesus “ainda vive”. O inferno não é uma criação original para humanos, não foi criado pelo Diabo, e sim para o Diabo e seus anjos. Mas alguns homens (que abandonarão sua humanidade) irão experimentá-lo. Ora, estes rejeitarão a Vida a tal ponto que se tornarão diabos: prostitutas do caos. Os que assim se tornaram, tomarão parte no inferno junto com o Diabo e seus anjos. A partir daí não haverá mais volta, pois não existirá mais distinção entre eles e os demônios. Esses serão os “irreconciliáveis”, e terão o seu “fim” junto com o inferno e a morte. Deus, que trouxe à existência todas as coisas a partir de si mesmo em amor, em amor fará com que o inferno e a morte sejam diluídos no Lago de Fogo, que é o próprio Deus (Hb 12.29). É um grande desacerto imaginar que o Paraíso e o inferno existirão simultaneamente. Não existe potência final dramática de Satanás e da morte. A morte, o reinado da morte, o domínio do caos, tudo isso está sob o controle do Eterno. Por isso, Jacques Ellul afirma categoricamente “que em última análise, todo o Apocalipse se resume nesta palavra: ‘não temas’” (Ap 1.17). Não temas, pois, Jesus tem em suas mãos as chaves da morte e do inferno. Ambos foram vencidos na Cruz, sendo, portanto, tolice imaginar o inferno como um playground do Diabo (onde ele se diverte causando dor às almas condenadas); isso só fica atraente na literatura de Dante.
O inferno durará uma eternidade, mas não existirá eternamente. Só permanecerá eternamente aqueles que estiverem no amor de Deus, e esses serão tantos que não poderão ser contados. O inferno não será habitado pela maioria da humanidade, como se o diabo na verdade fosse o grande vencedor. Não, Jesus é o grande vitorioso. E sua vitória está em que toda a ira de Deus para com os pecadores caiu sobre Jesus, isto é, sobre o próprio Deus, na pessoa de seu Filho: a Trindade é o fator decisivo na salvação, pois Deus condenou a si próprio para salvar suas criaturas que ele ama. Se a maioria é condenada, significaria que a convicção e a cruz de Cristo não seriam suficientes.
Não quero afirmar dogmaticamente que esta é a verdade, mas eu acredito, porque parece ser o único princípio compatível com o amor incondicional de Deus. Agraça caiu universalmente sobre todos os homens, por isso Ellul afirma que, a diferença entre um cristão e não-cristão, “é que o cristão sabe que é salvo, o que liberta da angústia. Isto não é para ele nenhum privilégio, mas sim um fardo e uma missão: ele deve agora ser um servo de Deus e de Cristo”.
©2013 Lindiberg Mustang
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sábado, 15 de outubro de 2011 Postado por Lindiberg Mustang


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A Darwin o que é de Darwin...

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010 Postado por Lindiberg Mustang
A ciência não tem respostas para todas as perguntas. Não sabe, por exemplo, o que existia antes do Big Bang, que deu origem ao universo há 13,7 bilhões de anos. Nosso conhecimento só começa três minutos depois do evento, quando as leis da física passaram a existir. Os cientistas também não são capazes de recriar a vida a partir de uma poça de água e alguns elementos químicos – o que se acredita ter acontecido 4,5 bilhões de anos atrás. A mão de Deus teria contribuído para que esses eventos primordiais tenham ocorrido? Não cabe à ciência responder enquanto não houver provas científicas do que aconteceu. O fato é que a luta dos criacionistas contra Darwin nada tem de científica. Em sua profissão de fé, eles têm o pleno direito de acreditar que Deus criou o mundo e tudo o que existe nele. Coisa bem diferente é querer impingir essa maneira de enxergar a natureza às crianças em idade escolar, renegando fatos comprovados pela ciência. Essa atitude nega às crianças os fundamentos da razão, substituindo-os pelo pensamento sobrenatural.

Manda o bom senso que não se misturem ciência e religião. A primeira perscruta os mistérios do mundo físico; a segunda, os do mundo espiritual. Elas não necessariamente se eliminam. Há cientistas eminentes que creem em Deus e não veem nisso nenhuma contradição com o darwinismo. O mais conhecido deles é o biólogo americano Francis Collins, um dos responsáveis pelo mapeamento do DNA humano. Diz ele: "Usar as ferramentas da ciência para discutir religião é uma atitude imprópria e equivocada. A Bíblia não é um livro científico. Não deve ser levado ao pé da letra". A Igreja Católica aceitou há bastante tempo que sua atribuição é cuidar da alma de seu 1 bilhão de fiéis e que o mundo físico é mais bem explicado pela ciência. O Vaticano até organizará em março o simpósio "Evolução biológica: fatos e teorias – Uma avaliação crítica 150 anos depois de A Origem das Espécies".

Em A Origem das Espécies, num raciocínio que cabe em poucas linhas mas expressa ideias de alcance gigantesco, Darwin produziu uma revolução que alteraria para sempre os rumos da ciência. Ele mostrou que todas as espécies descendem de um ancestral comum, uma forma de vida simples e primitiva. Darwin demonstrou também que, pelo processo que batizou de seleção natural, as espécies evoluem ao longo das eras, sofrendo mutações aleatórias que são transmitidas a seus descendentes. Essas mutações podem determinar a permanência da espécie na Terra ou sua extinção – dependendo da capacidade de adaptação ao ambiente. Uma década depois da publicação de seu livro seminal, o impacto das ideias de Darwin se multiplicaria por mil com o lançamento de A Descendência do Homem, obra em que mostra que o ser humano e os macacos divergiram de um mesmo ancestral, há 4 milhões de anos.

O embate entre evolucionistas e criacionistas teria causado um desgosto profundo a Darwin, que era religioso e chegou a se preparar para ser pastor da Igreja Anglicana. Esse plano foi interrompido pela fantástica aventura que protagonizou entre 1831 e 1836, em viagem a bordo do Beagle, um pequeno navio de exploração científica, numa das passagens mais conhecidas da história da ciência. Aos 22 anos, Darwin embarcou no Beagle para servir de acompanhante ao capitão do barco, o aristocrata inglês Robert Fitzroy. Durante a viagem, que se estendeu por quatro continentes, Darwin deu vazão à curiosidade sobre o mundo natural que o acompanhava desde a infância. Até a volta à Inglaterra, havia recolhido 1 529 espécies em frascos com álcool e 3 907 espécimes preservados. Darwin escreveu um diário de 770 páginas, no qual relata suas experiências nos lugares por onde passou. No Brasil, visitou o Rio de Janeiro e a Bahia, extasiando-se com a biodiversidade da Mata Atlântica – mas ficou horrorizado com a escravidão e com a maneira como os escravos eram tratados.

Durante a viagem, Darwin fez as principais observações que o levariam a formular a teoria da evolução pela seleção natural. Grande parte delas teve como cenário as Ilhas Galápagos, no Oceano Pacífico. Lá, reparou que muitas das espécies eram semelhantes às que existiam no continente, mas apresentavam pequenas diferenças de uma ilha para outra. Chamaram sua atenção, principalmente, os tentilhões, pássaros cujo bico apresentava um formato em cada ilha, de acordo com o tipo de alimentação disponível. A única explicação para isso seria que as primeiras espécies de animais chegaram às ilhas vindas do continente. Depois, desenvolveram características diferentes, de acordo com as condições do ambiente de cada ilha. Era a prova da evolução. Mais recentemente, ao estudarem os mesmos tentilhões das Ilhas Galápagos, grupos de biólogos observaram a evolução ocorrer em tempo real. Os pássaros evoluíam de um ano para outro, de acordo com as mudanças nas condições climáticas da ilha. Darwin, que definiu a evolução como um processo invariavelmente longo, através das eras, ficaria espantado com as novas descobertas em seu parque de diversões científico.

Ao retornar à Inglaterra, após a viagem do Beagle, Darwin foi amadurecendo a teoria da evolução e começou a escrever A Origem das Espécies dois anos depois, em 1838. Só publicou o volume, no entanto, após 21 anos. Ele sabia do potencial explosivo de suas ideias na ultraconservadora Inglaterra do século XIX – da qual, ele próprio, era um legítimo representante. Elaborar uma teoria que ia contra os dogmas da Bíblia era, para Darwin, motivo de enorme angústia. Não colaboravam em nada os temores de sua mulher, Emma, de que, por causa de suas ideias, Darwin fosse para o inferno após a morte, enquanto ela iria para o céu – com isso, eles estariam condenados a viver separados na vida eterna. Darwin nunca declarou que a Bíblia estava errada. Manteve a fé religiosa até os últimos anos de vida, quando se declarou agnóstico – segundo seus biógrafos, sob o impacto da morte da filha Annie, aos 10 anos de idade.

Após o lançamento de A Origem das Espécies, um best-seller que esgotou rapidamente cinco edições, os cientistas não demoraram a aceitar a proposta de que as plantas e os animais evoluem e se modificam ao longo das eras. Na verdade, essa ideia chegou a ser formulada por outros cientistas, inclusive pelo avô de Darwin, o filósofo Erasmus Darwin. A noção de que a evolução das espécies se dá pela seleção natural, no entanto, é original de Charles Darwin, e só foi aceita integralmente depois da descoberta da estrutura do DNA, em 1953. Darwin atribuiu a transmissão de características entre as gerações a células chamadas gêmulas, que se desprenderiam dos tecidos e viajariam pelo corpo até os órgãos sexuais. Lá chegando, seriam copiadas e passadas às gerações seguintes. Os estudos feitos com ervilhas pelo monge austríaco Gregor Mendel na segunda metade do século XIX, mas aos quais a comunidade científica só deu importância no início do século XX, estabeleceram a ideia básica da genética moderna, a de que as características de cada indivíduo são transmitidas de pais para filhos pelo que ele chamou de "fatores", e hoje se conhece como genes. Com as ervilhas de Mendel, o processo concebido por Darwin teve comprovação científica. A descoberta da dupla hélice do DNA, pelos cientistas James Watson e Francis Crick, em 1953, finalmente esclareceu o mecanismo por meio do qual a informação genética é transmitida através das sucessivas gerações. Hoje, os biólogos se dedicam a responder a questões ainda em aberto no evolucionismo, como quais são exatamente as mudanças genéticas que provocam as adaptações produzidas pela seleção natural. É espantoso que, enquanto continuam a desbravar territórios na ciência, as ideias de Darwin ainda despertem tanto temor.

Fonte: Veja


Em nome de Jesus

sexta-feira, 13 de novembro de 2009 Postado por Lindiberg Mustang
E tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei, a fim de que o Pai seja glorificado no Filho.
Jesus

O que seria orar "em nome de Jesus" ou segundo a vontade de Deus? Jesus está realmente dizendo que fará tudo que pedimos caso a oração seja em seu nome? Esta declaração, localizada em João 14:13, muito bem explorada em cultos neopentecostais, ao ser examinada em seus vários contextos e tomada ao pé da letra, é irrealizável, de modo que precisamos buscar um significado por trás dela. É irrealizável porque todos nós oramos por pedidos muitas vezes contraditórios (quando duas pessoas oram pela mesma vaga de emprego ou quando dois competidores oram pelo primeiro lugar, etc.) e Deus não pode responder ambos, pois isso contrariaria alguns princípios lógicos fundamentais — lembrando que a natureza divina está acima de qualquer princípio lógico, mas não a nossa. 
Um exemplo claro e contundente seria a própria oração de Jesus no Getsêmani — e olha que ele nem precisava orar em nome de Jesus. Ele pediu que se fosse da vontade de Deus, num extremo ato de humildade e se submetendo totalmente à sua natureza humana, que o Senhor o poupasse do terrível sofrimento que o aguardava (Lc 22.42). Bem, a vontade de Deus era outra e Jesus foi absolutamente submisso. 
Hoje, orar “segundo a vontade de Deus”, além de ser uma atitude ignorada pelos líderes evangélicos atuais é também compreendido como uma atitude inútil.
Este é um exemplo do pensamento dos líderes evangélicos de hoje:
Usar a frase 'se for da Tua vontade' em oração pode parecer espiritual, e demonstrar atitude piedosa de quem é submisso à vontade do Senhor, mas além de não adiantar nada, destrói a própria oração. R.R. Soares.
Esse é o pensamento daqueles que estão à frente dos evangélicos brasileiros. Destruíram o verdadeiro sentido do que é fé, corrompem o Evangelho com suas paixões pelo controle das massas, e por fim ensinam a dar ordens a Deus como se ele fosse uma empregadinha. Oração não é uma lista de compras, e o nome de Jesus não é uma espécie de “abracadabra” ou “sim-sala-bim”. Oração é um diálogo com o Eterno, uma comunicação onde todas as nossas limitações, deficiências, insuficiências, mediocridade e finitude são expostas diante daquele que conhece nossos pedidos antes mesmo de nós abrirmos a boca. Eis o verdadeiro caráter da oração: a consciência de que não sabemos nem mesmo orar como convêm, necessitando, por isso mesmo, da intercessão do Espírito.
Finalmente, é a partir do próprio apóstolo João que chegamos à compreensão de que orar em nome de Jesus só é um ato genuíno quando esta oração é “segundo a vontade” de Deus, e “esta é a confiança que temos para com ele” (1Jo 5.14). De todo modo, sempre haverá uma resposta do Altíssimo, quer nos agrade ou não. Talvez a resposta seja um "sim", ou um "não", ou quem sabe aquele angustiante silêncio, que nos molda, que nos faz sair da zona de conforto para amadurecer. Talvez essa seja a melhor resposta.

©2010 Lindiberg de Oliveira