O desespero de ser livre
domingo, 25 de maio de 2014
Deixe-me começar abrindo o jogo,
meu caro: é muito comum sermos mal compreendidos naquilo que dizemos; esse é um
embaraço que todo santo que ousa expor o que acredita terá de tolerar. Em se
tratando do que eu escrevo, tento encarar com naturalidade aqueles que
retrucam: “você não é claro no que diz”, “tem que explicar melhor aonde quer
chegar” ou “até entendo o que você escreve, mas me mostre-me uma saída”. Não
acredito que eu seja tão prolixo assim, mas esperar o que de um país em que as
pessoas se adequam a cada dia a ler apenas frases de efeito no facebook.
A verdade é que não sou o cara do
óbvio, das respostas prontas, dos sistemas bem elaborados — deixo essa proeza
para a literatura de autoajuda, que já engole, a um bom tempo, milhares de
cérebros preguiçosos Brasil a fora. Meu interesse, caro leitor, é colocar uma
pulga atrás da sua orelha. Quero ser um incômodo para uma geração acomodada, e
é por isso que resolvi estar diante do mundo como um irônico. Não tenho medo de
ser incompreendido, ou receio de cair em contradição; ora, os grandes paradoxos
são as grandes verdades. Nada disso é por acaso.
As pessoas não gostam de refletir
sobre o que verdadeiramente importa. Quem para, pensa e quem pensa sofre.
Refletir é um incômodo para as massas, e um pesadelo para aqueles que abraçaram
a multidão. É sempre uma zona de conforto está em um lugar em que os outros
pensem por nós, em que os outros ditem as regras. No mundo em que vivemos não
faltam ambientes desse tipo: são as escolas com um sistema de ensino defasado e
educadores que ainda apostam numa pedagogia que gera apenas imbecilóides em
série; os políticos que insistem em nos manter alheios em relação à politica e o
Estado babá que intervém nas dimensões mais íntimas de nossas individualidades;
são as igrejas que fixam suas leis e persegue quem ousa cogitar sobre elas; Ou
até mesmo a mídia e a publicidade que dita o que você deve comprar, vestir,
comer, ouvir, etc.
É aconchegante viver assim, porque
no final das contas sempre vai existir algo ou alguém para quem nós podemos
transferir a culpa dos nossos medos, fracassos e perda. A lista conta com o
Diabo, Deus, o sistema, o capitalismo, menos nós mesmos.
A liberdade nos assusta porque
implicaria em sermos responsáveis pelos nossos atos, e poucos são os que têm
cacife para isso. Levando isso em conta, não me assusta o fato de pesquisas
mostrarem que até em 2004 o número médio de sessões psicanalíticas caiu pela
metade. Uma sugestão clara de que os pacientes têm cada vez menos tempo – ou
dinheiro – para os longos processos da psicanálise, em que o analisado é
incentivado a descobrir sozinho suas fontes de angústia e as respectivas
saídas. Freud deve estar se revirando no túmulo nesse momento.
Séculos atrás Kierkegaard já nos
advertia do desespero da liberdade e da falta de volição das pessoas em se
decidir por si mesmas. Pessoas assim são levadas a não se distinguir das outras,
da massa e, por conseguinte, um desolador nivelamento toma o lugar. Esse
nivelamento coletivo dilui a consciência individual fazendo o sujeito se
confundir com a multidão. E para Kierkegaard, “a multidão é a falsidade”.
Paulo, o apóstolo, que caminhava
sempre na liberdade seguindo os passos do seu mestre Nazareno, advertia que foi
para a liberdade que Cristo nos libertou, não se submetam mais a um jugo de
escravidão (Gl 5.1). O conselho de Paulo revela muito da inclinação humana de
erguer ídolos pra si. A maioria das pessoas é como pássaros em gaiolas, que ao
fugir por uma fresta, logo se depara que terá que ir atrás de seu próprio
alimento para sobreviver; invés de comemorar a liberdade resolve voltar para a
gaiola onde não precisará fazer esforço para encontrar comida.
É pertinente dizer que nossa
sociedade é livre, mas, livre da liberdade, claro. Dizer que nossa sociedade é
livre é a maior mentira de todas. São poucos os iluminados que mergulham na
angustia da liberdade. Na maioria das vezes é preferível ser escravo de alguma
trivialidade como o cigarro, o álcool, o pastor, o padre, o facebook, a ciência, Nietzsche, a Bíblia,
do trabalho ou — por incrível que pareça — até mesmo do que eu digo.
©2012 Lindiberg de Oliveira
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