Meu mundo ideal

domingo, 21 de fevereiro de 2016 Postado por Lindiberg de Oliveira
A noção de se reencarnar me parece demasiadamente infantil — uma hemodiálise existencial sem qualquer racionalidade metafísica. No entanto, o pensamento de voltar ao passado sempre me perturbou. Minha imaginação já fabricou ideias fantásticas sobre esse tema. Admito, voltar ao passado é minha obsessão. Mas não aquele passado medieval ou renascentista — estes também me causam certo saudosismo —, mas aquele passado da minha infância, onde as ideias pareciam ser mais originais; onde os cortes de cabelos eram menos extravagantes e vagarosamente mais ousados; os shorts da molecada eram todos acima dos joelhos e deixava uma sensação de mais liberdade; sem contar com aquelas excêntricas roupas que coloriam a cidade na pequena pracinha aos finais de semana.
Minha infância é meu mundo ideal, e como disse Paulo Brabo: “O presente, senhoras e senhores, é uma afronta e uma piada. Somos a continuação medíocre, a parte 2 que o bom senso não deveria ter deixado chegar aos cinemas. Somos o capítulo mais fraquinho de uma série de ficção científica que o roteirista não tem mais criatividade ou saco para terminar”. Algo como The Walking Dead ou Lost.
O presente não é meu mundo. Isso porque o presente parece ser o lugar nenhum: o nada é o fruto dessa pós-modernidade. A modernidade fracassou em querer resolver os problemas da humanidade; inseriu no mundo deuses como a Ciência, a Política, a Natureza, a História. Por isso acho equivocada a concepção popular de que o homem moderno se tornou completamente secularizado. Invés disso, acredito que criou apenas novas expressões religiosas. Não é de se espantar que nossa civilização, na ânsia de superar o discurso religioso — tido como uma ideia atrasada e obsoleta —, se desague em pleno século 21 prestando culto à extraterrestres (os deuses astronautas do History Chanel) e cristais “mágicos” do movimento New Age. 

O que dizer de Einstein, Heisemberg e Planck? Onde estão homens como Freud, Jung e Husserl, que conseguiam discernir o mundo? O que eles nos ensinam hoje? Coisa nenhuma, pois os trocamos por fast-foods, iPhones e redes sociais. Tudo isso, aparentemente, atende perfeitamente as condições necessárias da imaginação moderna, nublada por crenças grosseiras que substitui a angústia de um desejo autenticamente espiritual.
Como pensava o filósofo Edmund Burke, o verdadeiro pacto social é estabelecido entre os mortos, os vivos e os que ainda estão por nascer. O que gente moderninha não entende é que, quando os mortos não valem nada, ninguém vale nada. É o respeito pelo passado que nos faz caminhar decentemente para o futuro. O século 21 nasce habitado por gente que acredita que o mundo em que elas vivem nasceu prontinho; caminham sobre a história desconhecendo e desrespeitando o passado, incapazes de perceber que a ordem social se estabelece no tipo de mundo que você recebe dos seus pais e avós e o tipo de mundo que você entrega para seus filhos e netos.
Não se enganem, o futuro é uma distopia e se reencarnar seria o pior de todos os tormentos. É acreditando nisso que faz meu pai viver longe desse padrão de vida que orienta o consumo de todos hoje em dia. Meu pai ainda hoje — apesar de morar na capital tocantinense — prefere levar a vida de forma simples, andando na mesma bicicleta a mais de vinte anos, fazendo as próprias refeições, usando seu celular exclusivamente para fazer ligações, e raramente chega a perder um episódio d’A Praça é Nossa; os maiores valores que me ensinou foram através do exemplo — porque é assim que tem que ser — e sem muitas palavras.
Assim, meu apelo neste mundo é exclusivamente por independência, para que, assim como meu pai, todos busquem sua liberdade e não se deixem escravizar por trivialidades sem sentido e, finalmente, para que as pessoas façam suas conexões uns com os outros — como se fazia antes da internet, quando todos entendiam que viver era melhor do que postar. Não sou ingênuo o bastante para achar que isso vai acontecer. Bem, talvez essa seja minha irresistível obsessão de querer voltar ao passado.
©2016 Lindiberg de Oliveira