O sentido do sofrimento
sexta-feira, 28 de junho de 2013
"O que é a vida se não uma sucessão de fatos sem sentidos"? Essa foi a pergunta de uma jovem que golpeou Ed René Kivitz, deixando-o emudecido. Uma pergunta filosófica que desemboca numa questão teológica também. Na verdade a filosofia não tem uma resposta e qualquer teólogo honesto que se remete a uma reflexão não ousaria respondê-la de imediato. Ora, isso porque falar do sofrimento é falar da vida que se transpõe em grandes ambiguidades: a beleza que ela gera, a dor que se desenvolve durante os longos processos existenciais; enfim, a vida é semelhante uma roda gigante, ou a um pêndulo de um relógio: hora em cima, hora em baixo; hora de um lado, hora de outro.
Existe a beleza que gera sofrimento, o prazer que
gera dor, a bondade que cria o caos, e também existe o oposto: a angústia que
ascende à beleza, a aflição que se rompe em deleite, a agonia que gera o
inexprimível, as lágrimas que viram poema, a morte que gera esperança. O
segundo exemplo é mais complexo e o mais digno de uma reflexão por mais superficial
que seja. Sempre me detenho sobre este assunto com algum fascínio, e é evidente
que desde a antiguidade vários textos foram escritos em relação a esse tema e
por pessoas bem mais confiáveis do que esse simples blogueiro corintiano que vos escreve.
Salomão, depois de uma cansativa observação da vida
e da existência humana, é fadado a dizer que tudo é vaidade e que nada tem
sentido. Tudo passa por cansativas repetições, e a fadiga e o tédio que isso
causa não tem um propósito definido. Não ter propósito não quer dizer que não seja
necessário. Nietzsche, que experimentou o peso deste assunto na própria pele, dizia que o sofrimento é necessário, e que o gênio que
sobrevive ao sofrimento transcende aos conceitos morais desenvolvidos pela própria cultura.
Suportar o sofrimento é convocar virtudes adormecidas que cultiva no caráter o vigor que faz romper a beleza escondida na frieza do coração, confirmando o que
Kierkegaard diz sobre o poeta: "Uma pessoa
infeliz que encobre profunda angústia em seu coração, mas cujos lábios são
assim, onde suspiros e gritos passam sobre eles soando como uma bela música".
É dessa forma que alguns entenderão o sofrimento como o motor propulsor que
gera o admirável. E isso não é
coisa de Dr. House — aquela série do médico mal-humorado, arrogante e
manipulador, que sempre opta pela agonia da solidão, pois só assim consegue ter
sucesso em seus diagnósticos. Gente como Espinosa, Nietzsche, Kierkegaard e Tolstoi
foram homens ébrios de Deus, no entanto confusos, mas que fizeram de seus sofrimentos uma capacidade
criadora capaz de expressar e transmitir sensações incríveis, dando um novo tom à
Filosofia e à Literatura. Foram homens que cultivaram beleza diante de suas
lágrimas e conseguiram fazer brotar melodia perante a angústia do silêncio; o
transtorno da rejeição foi transformado elegantemente em arte. Como disse Rubem
Alves, “ostra feliz não faz pérola”. E não faz mesmo. A ostra só gera beleza se
for acometido por um tumor, um tumor provocado por um grão de areia. Só há
pérola se houver dor. As borboletas só podem enfeitar o jardim se passarem pela
angústia da solidão e pelo isolamento esmagador dentro de um casulo. Sem casulo,
sem borboleta.
Não é por acaso que a narrativa bíblica deixa claro que para haver redenção teve de haver morte. Sem a dor
da entrega não haveria salvação para o mundo. Diante da dor a graça se
manifestou através do Filho do homem, redimindo o mundo inteiro. E não se engane, caro
leitor, o que mais doeu em Jesus não foi a dor física, mas o fato de ter
carregado o mundo inteiro em seus ombros. Como disse Jacques Ellul: "não há um responsável pela morte de Jesus, não são os judeus ou os romanos: na medida em que Jesus foi justamente a Testemunha fiel, morreu por causa do pecado de todos os homens, o que significa que morreu pela mão de todos e, ao mesmo tempo, (o que são coisas indissolúveis) por todos".
Diante de tudo isso só me resta desconfiar
incessantemente dos discursos que isentam o ser humano do sofrimento. “Pare de
sofrer” não é uma proposta de Jesus, e nunca foi uma alternativa da vida. A dor
é inerente ao homem e muitas vezes ela não tem sentido mesmo. Quando lemos
Eclesiastes nos deparamos com um Salomão maduro, com uma idade avançada e com
uma percepção aguçada da vida, dizendo que “na muita sabedora há muito enfado,
e o que aumenta em conhecimento, aumenta em dor”. Por causa da opressão,
Salomão diz que “os mortos, são mais felizes que os vivos, pois estes ainda tem
que viver”. E essa é a angustiante e esclarecedora conclusão que o Eclesiastes chega em relação à vida: sem sentido,
absurdo, vaidade.
©2013 Lindiberg de Oliveira
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