C.S. Lewis e Sadu Sundar Singh
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
Assim se encontra todo o globo terrestre,
Fixo por correntes de ouro em torno dos pés de Deus.
Alfred Tennyson
A influência espiritual de George MacDonald sobre C.S. Lewis é bem conhecida, mas até agora a influência de Sadhu Sundar Singh sobre ele tem sido menosprezada. 1
A pista mais antiga de que Lewis estava familiarizado com a vida de Sundar Singh aparece em O Regresso do Peregrino, Livro 8, Capítulo 2, onde Lewis fala de um Homem que veio do alto em socorro do peregrino quando este estava em grande necessidade. “Vou lhe dar uma mão”, disse o estranho, e o retirou de um árido desfiladeiro. 2 Alguns capítulos adiante, o Homem socorreu o peregrino novamente. “Então sonhei que mais uma vez um Homem vinha até ele na escuridão”. O Homem lhe disse: “A sua vida foi salva em todo este dia pelo seu clamor a algo a que você chama por muitos nomes”. 3 Conforme o subtítulo seguinte, esse Homem era Cristo.
Parece que Lewis ecoou conscientemente a história da conversão de Sundar Singh. Como O Regresso do Peregrino é composto, em grande medida, de referências a uma ampla variedade de autores, não causa admiração o fato de Lewis ter se referido à experiência de conversão de outra pessoa famosa ao relatar a sua própria.
Sundar Singh nasceu em 1889, nove anos antes de C. S. Lewis. Foi o filho mais novo de uma família aristocrática sikh (todos os sikhs recebem o nome de Singh), no povoado de Rampur, em Patiala, Índia. A crença sikh combina o hinduísmo e o islã, por isso a mãe de Sundar carinhosamente lhe ensinou tanto as escrituras sick como as hindus, instando-o a se tornar um sacerdote. Aos sete anos de idade, ele sabia de cor a Bhagavad-Gita inteira (o que, na Índia, não é um feito excepcional), e se encontrava repleto de anseio por santi, a paz de alma.
Sundar Singh avidamente estudava livros sagrados, meditava, praticava ioga e fazia boas obras. Quando estava com quatorze anos de idade, em 1902, sua mãe e seu irmão mais velho morreram. (Em 1908, a mãe, o tio e o avô de C. S.Lewis morreram.)
Diferentemente da mãe de Sundar, seu pai achava que ele era religioso demais para a idade. Certa vez, o Guru do rapaz disse ao seu pai: “Seu filho vai se tornar ou um tolo ou um grande homem”. 4
Sundar Singh buscou Deus no siquismo, no hinduísmo, no budismo e no islã. Expôs-se também ao cristianismo durante um ano, numa escola local mantida por missionários presbiterianos norte-americanos, mas quanto mais ouvia do Novo Testamento, mais rancoroso ficava em relação a ele. Deixou a escola. Quando via missionários em público, ofendia-os, e mandava os servos de seu pai fazerem o mesmo. Por fim, queimou um exemplar do Novo Testamento em público para expressar sua indignação.
Depois, Sundar Singh percebeu que sua fanática oposição ao cristianismo disfarçava uma atração secreta por ele. Seu pai reprovava tanto seu ato de queimar uma Bíblia quanto sua obsessão pelas religiões indianas habituais, e se perguntava se o filho não estaria perdendo a sanidade mental. De fato, em 17 de dezembro de 1904, com 15 anos de idade, Sundar Singh despediu-se do pai, anunciando que cometeria suicídio antes do desjejum. Ele efetivamente planejava deitar-se na ferrovia perto de sua casa e deixar que o trem expresso das 5 da manhã passasse por cima dele, para poder se encontrar com Deus no além.
Às 3 da manhã de 18 de dezembro, ele se levantou e tomou um banho frio, conforme o costume hindu. Então suplicou repetidamente a Deus que se revelasse a ele antes da chegada do trem. De repente, uma luz tão intensa brilhou em seu pequeno quarto que ele olhou à volta para ver se a casa não estaria pegando fogo. Depois surgiu uma nuvem luminosa, e nela ele viu, irradiando amor, a face de um Homem. Em perfeito hindustani, a língua nativa de Sundar Singh, o Homem lhe disse: “Por que me persegues? Lembra-te de que dei minha vida por ti na Cruz”. 5
Mais tarde, Sundar Singh viria a escrever: “O que vi não foi imaginação minha. Até aquele momento eu odiava Jesus Cristo e nunca o cultuara. Se eu estivesse falando de Buda, seria possível que fosse imaginação, pois eu estava habituado a cultuá-lo. Mas não foi sonho. Quando se acabou de tomar um banho frio, não se sonha! Era realidade; era o Cristo Vivo!” 6
Sundar Singh prostrou-se diante de Jesus e o adorou. Sua alma foi finalmente invadida por paz e júbilo. No desjejum, ele disse ao seu pai, que estava perplexo: “O velho Sundar Singh morreu; eu sou um novo ser”. 7 Obviamente sua conversão se assemelhava muito à do apóstolo Paulo, e ele falava dela a todos que o quisessem ouvir.
Para seu pai, a conversão cristã de Sundar era ainda menos aceitável que sua antiga inimizade com o cristianismo; ele considerava o filho um louco. A família o pressionou a abandonar sua nova fé, e, por fim, o expulsou de casa. Diz-se que a última refeição que ele fez em casa estava envenenada. Seu amigo Gardit Singh, que se tornara cristão na mesma época, de fato morreu após comer comida envenenada. Com o alvoroço local, a estação missionária teve de ser fechada, e os cristãos do povoado se mudaram para longe, em busca de segurança.
Sundar Singh foi estudar a Bíblia em uma estação missionária médica. Era ilegal ser batizado antes dos 16 anos, por isso ele foi batizado como cristão anglicano em seu aniversário, em 3 de setembro de 1905. Seu professor o aconselhou a fazer curso teológico, mas ele, em vez disso, se sentia chamado a pregar o evangelho como sacerdote indiano tradicional.
Trinta e três dias após seu batismo, Sundar Singh vestiu o manto amarelo de linho usado pelos hindus celibatários e partiu, levando somente um Novo Testamento em hindustani e um cobertor que ele costumava enrolar em torno da cabeça, como um turbante. Não usava dinheiro e nunca pediu nada. Quando ninguém lhe oferecia alimento ou abrigo, passava sem eles. Também não possuía a adaga que os homens sikh costumam carregar para se proteger. Quando lhe perguntavam se as pedras não feriam seus pés descalços, ele respondia que seus pés eram tão duros que eles é que feriam as pedras.
Como um sikh típico, Sundar Singh tinha pouco mais de 1,80m de altura, barba espessa e olhos escuros brilhantes. Seu olhar transmitia uma profunda paz interior, o que atraía as pessoas a ele. Em pé, seu corpo era bem aprumado. Crianças e animais sempre eram atraídos por ele. Amava brincar com crianças e tinha um bom senso de humor. Quando falava de Jesus, seu semblante inteiro se iluminava, irradiando júbilo. Depois da visão que teve, em 18 de dezembro de 1904, só um interesse e paixão ardiam em seu coração: servir Jesus.
Assim, perambulou pela Índia, Afeganistão e Caxemira, pregando o evangelho de Cristo. Uniu-se a Samuel Stokes, um missionário norte-americano que deixara para trás sua família abastada para tentar viver na Índia como São Francisco de Assis. Juntos, os dois amigos trabalharam numa colônia para leprosos e depois no Hospital de Doenças Contagiosas, em Lahore.
Em 1909, seguindo o conselho de amigos, Sundar Sing tornou-se estudante de teologia na Faculdade Saint John’s Divinity, em Lahore. Continuou sendo anglicano por toda a vida e pregava frequentemente em igrejas anglicanas, mas como pregador, recusava-se a ser vinculado a uma denominação. Para ele, todos os cristãos eram um. Sundar Singh também respeitava as religiões que o alimentaram na infância, e as via plenificadas em Cristo. Ele acreditava em dar às pessoas a água viva de Deus na taça da própria cultura delas, não numa taça estrangeira. Sentiu um chamado especial para pregar nas terras perigosas e inacessíveis do Tibete, e fez, a pé, muitas viagens quase impraticáveis para lá.
Em 1912 a fama de Sundar Singh começou a se espalhar pela Índia, e em 1916 foi publicado o primeiro de vários livros sobre ele. Onde quer que ele fosse na Índia, formavam-se multidões de cristãos e não cristãos para vê-lo e ouvi-lo. Em 1918 pregou também no Ceilão, em Burma, em Singapura, no Japão e na China. Em Penang, Malásia, foi convidado a pregar o evangelho de Jesus num templo sikh. Em 1919 seu pai o recebeu afetuosamente e disse estar disposto a se tornar cristão. Eles se reconciliaram exatamente na época em que C. S. Lewis e seu pai cortaram relações após a Primeira Guerra Mundial. Na época, C. S. Lewis era aluno em Oxford.
Sundar Singh ouviu uma ordem de Deus para pregar na Inglaterra e seu pai se ofereceu para pagar pela viagem. Em fevereiro de 1920 ele chegou à Inglaterra e ficou, de início, numa comunidade de quacres. Depois foi hospedado pelos Sacerdotes Anglicanos de Cowley, em Oxford, e pregou em várias faculdades e na Saint John’s Church. É muito provável que C. S. Lewis tenha ficado sabendo que Sundar Singh estava falando em Oxford na ocasião, mas é improvável que tenha ido ouvi-lo. Primeiro, porque Lewis estava especialmente ocupado naquele mês. Escrevendo a seu amigo Arthur Greeves, ele disse “Tenho que trabalhar feito dez diabos neste período”. 8
Aos vinte e um anos de idade, Lewis achava o cristianismo repugnante. Além disso, tinha passado por uma experiência perturbadora no início daquele ano depois de uma noite de conversa com um amigo e colega de faculdade sobre “assuntos sombrios – fantasmas, espíritos e deuses”. Seu amigo lhe contou muitas experiências com o sobrenatural, e Lewis entrou numa atmosfera de terror que lhe lembrava seus pesadelos aterrorizantes da infância. Em consequência, disse Lewis, “desenvolvi, por ora, um violento repúdio por mistérios e todo esse tipo de coisas”. 9
De Oxford, Sundar Singh foi para Londres, onde pregou para grandes multidões em várias das igrejas principais, inclusive na Baptist Metropolitan Tabernacle. Na Church House, em Westminster, ele falou para setecentos clérigos anglicanos, inclusive vários bispos e o Arcebispo de Canterbury. Ele falou também no Trinity College, em Crambridge, e seguiu até Paris para pregar. Depois foi para a Irlanda e Escócia, onde pregou nas principais igrejas presbiterianas em Glasgow e Edimburgo.
Sundar Singh não deixou que a popularidade internacional lhe subisse à cabeça. Disse que o jumento no qual Jesus entrou em Jerusalém teria sido muito tolo se pensasse que as flores e os ramos de palmeira que cobriam a estrada estavam lá em sua homenagem. Do mesmo modo, aqueles que levam Cristo às pessoas hoje seriam tolos se quisessem ter algum mérito pela boa recepção da mensagem.
Em maio Sundar Singh cruzou o Atlântico e passou três meses pregando em cidades dos Estados Unidos, de Nova Iorque a São Francisco. Depois foi pregar em Honolulu e, em seguida, em vários lugares na Austrália. Ao contrário de outros oradores itinerantes da Índia naqueles dias, Sundar Singh não buscava explicar e exaltar a sabedoria indiana; ele ia pregar unicamente o evangelho de Jesus. Enfim, no final de setembro ele voltou para a Índia, entristecido com o materialismo ganancioso que vira no ocidente. Observou que no oriente muitas pessoas cultuam ídolos, mas no ocidente as pessoas cultuam a si mesmas.
Em 1921 Sundar Singh voltou a pregar no Tibete. Depois, no início de 1922, realizou um antigo sonho: viajou pela Palestina, refazendo os passos de Jesus. De lá foi pregar no Egito, na França e na Suíça, onde pregou no auditório usado pela Liga das Nações. Na Alemanha, falou na própria igreja de Martinho Lutero, em Wittenberg. Depois pregou na Suécia, Noruega, Dinamarca e Holanda. De volta à Inglaterra, chegou muito cansado e pregou apenas na conferência de Keswick, em Gales. Naquele ano, recusou convites insistentes para pregar na Finlândia, Rússia, Grécia, Romênia, Sérvia, Itália, Portugal, Estados Unidos e Nova Zelândia.
Apesar da fama e da bajulação dirigida a ele, Sundar Singh aparentemente permaneceu modesto e humilde. Dizia que não tinha vindo pregar, pois o mundo estava cheio de sermões, mas testemunhar do poder salvador de Jesus. Seu único interesse era se aproximar mais e mais de Jesus, tornar-se cada vez mais semelhante a ele e gastar a vida a serviço dele. E de fato, em toda parte as pessoas ficavam impressionadas ao constatarem uma semelhança perceptível entre ele e Jesus. O interesse de certas pessoas por Sundar Singh tinha a ver principalmente com os milagres e maravilhas em sua vida, mas ele, percebendo isso, passou a evitar falar deles. O que ele mais desejava enfatizar era a oração. “Oração, oração e mais oração” era o seu lema. 10
Em abril de 1929 ele partiu outra vez em sua arriscada jornada ao Tibete, apesar de seu problema de coração e cegueira de um olho. Depois de ter partido, nunca mais se teve notícias dele. Embora seus amigos tenham saído em busca de informações, nunca encontraram nenhuma pista; ele havia simplesmente desaparecido. Quatro anos depois, quando o governo da Índia anunciou que ele fora oficialmente dado como morto, alguns suspeitaram de que ele, na verdade, tinha se retirado da civilização para se dedicar à meditação e oração no Himalaia. Porém o mais provável é que ele tenha morrido pouco depois de partir em sua última viagem missionária. Durante anos ele estivera desejoso de deixar este mundo e estar no céu, junto a Deus.
É quase certo que foi em abril ou maio de 1929 que Sundar Singh completou a obra para a qual fora chamado nesta terra. E, curiosamente, foi também nessa época que C. S. Lewis se ajoelhou em seu quarto em Oxford e relutantemente admitiu que Deus é Deus; e começou sua própria jornada no ministério cristão.
Não há dúvidas de que C. S. Lewis sabia de Sadhu Sundar Singh. Em maio de 1943, quando foi publicada pela primeira vez a peça radiofônica de Dorothy Sayers, O Homem que Nasceu para Ser Rei – Uma Série sobre a Vida de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, C. S. Lewis imediatamente a leu. Mais tarde, escreveu: “De minha parte, eu a tenho relido toda Semana Santa desde que foi publicada, e sempre que a releio fico profundamente comovido”. 11 Ele fez também citações do prefácio, no qual Dorothy Sayers incluíra uma nota de rodapé citando um trecho de The Sadhu, de B. H. Streeter e A. J. Appasamy: “A mente do Sadhu é um reservatório transbordante de histórias, ilustrações, epigramas e parábolas, mas ele nunca faz o menor esforço para evitar repetições; na verdade, parece deleitar-se com elas. Ele diz: ‘Nós não nos recusamos a dar pão a alguns famintos porque já o demos antes a outros’. Assim, temos constantemente encontrado o mesmo conteúdo aparecendo em mais de uma das fontes manuscritas ou impressas que utilizamos. Ele diz também: ‘Minha boca não reclama direitos autorais’.” 12
Sete meses depois da primeira leitura que fez do tributo a Sundar Singh, de Sayers, C. S. Lewis, no prefácio de seu livro Aquela Força Medonha, explica ao leitor que o novo livro não é histórico, mas “um conto de fadas moderno para adultos”. Na história, evidentemente escrita em 1943, o protagonista Elwin Ransom aceita uma estranha incumbência que recebeu indiretamente de um homem da Índia, “o grande místico cristão local, de quem você deve ter ouvido falar: o Sura”, como explica um personagem a outro, no capítulo 5. 14 Esse fictício Sura previu que uma grande ameaça à raça humana estava atingindo seu ponto crítico na Inglaterra, e ele deixava uma palavra profética para que um grupo de pessoas comprometidas se juntasse a Ransom para combater aquele mal. Depois de deixar essa mensagem, Sura desapareceu, e não se soube mais se estava vivo ou morto. Para alguns leitores mais atentos pareceu que Lewis esperava que os leitores estivessem familiarizados com essa figura.
O que Lewis quis dizer com o termo Sura? Em sânscrito, a palavra significa deus. No panteão hindu, um sura é um anjo bom ou gênio do bem. Em árabe, um sura é um dos 114 capítulos do Alcorão. Lewis devia saber de tudo isso quando escolheu a palavra. Eu acredito que Lewis usou a palavra sura para se referir indiretamente à palavra sadhu, que, na Índia, significa homem santo, sacerdote. (Em sânscrito, como adjetivo, sadhu significa reto.) Se de fato Lewis tivesse chamado seu místico cristão de Sadhu, alguns leitores poderiam crer que sua história era um relato verídico sobre o famoso Sadhu Sudar Singh.
Quando Lewis escreveu Aquela Força Medonha, Sundar Singh estava desaparecido havia apenas quinze anos, e estaria com 54 anos de idade se estivesse vivo. Ele foi a “Madre Teresa” de seu tempo. Em24 de outubro de 1949, a Rainha Wilhelmina, da Holanda, escreveu: “Nunca o vi. Eu só o conheço de seus livros e de livros sobre ele. Faço parte do grupo daqueles que estão profundamente impressionados com sua vida e ensinos, e tenho certeza de que o modo como ele manifestou seu radiante amor por Cristo e Sua paz, e seus ensinos como um tudo, foram de real ajuda para mim nos piores episódios da terrível catástrofe que foi a última guerra”. 15
Para verificar minha convicção de que o Sura de C. S. Lewis era uma alusão proposital a Sadhu Sundar Singh, em 1987 contatei Dom Griffiths, aluno de Lewis em Oxford e seu amigo por toda a vida. Desde 1955 ele é monge beneditino na Índia. Expliquei-lhe minha teoria e pedi sua opinião. (Griffiths, como Sundar Singh, usava o tradicional manto amarelo de sacerdote indiano).
Em 12 de junho de 1987 Griffiths escreveu: “Quanto a Sadhu Sundar Singh, conheço bem sua vida e sempre o admirei. Lewis o teria admirado especialmente por seu cristianismo não denominacional, ou ‘mero cristianismo’. Não me lembro de C. S. Lewis ter feito sequer menção dele, mas penso que é quase certo que a referência em Aquela Força Medonha é feita a ele”. 16
Em outra carta, de 27 de julho de 1987, Bede Griffiths prossegue: “Suponho que ninguém tenha feito uma associação entre Lewis e Sundar Singh antes. Refletindo a respeito, sinto que é muito provável que Lewis tenha ficado sabendo dele por meio dos Sacerdotes de Cowley, de quem [Sundar Singh] era muito íntimo. De qualquer forma, é preciso que Sundar Singh se torne mais amplamente conhecido”. 17 (Os Sacerdotes de Cowley eram os anglicanos devotos que haviam hospedado Sundar Singh durante sua visita a Oxford em 1920.)
Sundar Singh pode ter influenciado C. S. Lewis de várias formas. Por exemplo, o nome Singh vem da palavra que significa leão em sânscrito. Como Sundar Singh era popularmente percebido como o homem que mais se assemelhava a Cristo na época de Lewis, é possível que Sundar Singh estivesse nos bastidores da mente de Lewis quando o leão Aslam saltou para dentro da primeira história de Nárnia escrita por Lewis. (Aslan, em turco, significa leão.)
C. S. Lewis e Sundar Singh acabaram expressando a mesma ideia sobre a relação entre os desejos e a verdade. Sundar Singh ensinava que cada desejo que temos nos é dado com um propósito especial, e não teríamos desejo de crer em Deus se ele não existisse. “A capacidade de crer é (...) bem parecida com a sede (...) Assim como a sede foi criada para fazer as pessoas recorrerem à água, também a nossa sede pelo divino foi criada para nos fazer ir a Deus”. 18 Por seu turno, Lewis escreveu: “Mas o que a existência do desejo [por Deus] indica? Houve um tempo em que muito me impressionei pela frase de Arnold: ‘Também o sentir fome não prova que exista pão’. Mas embora não prove que um homem, em particular, vá conseguir comida, prova, certamente, que a comida existe! Isto é, se fôssemos uma espécie que não comesse regularmente, que não tivesse sido projetada para comer, sentiríamos fome?” 19
Parece que George MacDonald, C. S. Lewis e Sadhu Sundar Singh tinham pensamento unânime quanto ao que lemos nas páginas de O Grande Abismo, de Lewis. (Em 20 de julho de 1956, quando eu disse a Lewis que tinha amado aquele livro, seus olhos brilharam. Ele respondeu que aquele era o seu Grande Conto; era muito melhor do que Cartas do Inferno, em sua opinião, embora muito menos conhecido.) O Grande Abismo conta a história de um grupo de descontentes moradores do inferno que viajam de ônibus até a fronteira do céu e lá recebem as boas-vindas, mas não adianta. A maioria decide entrar de novo no ônibus e voltar para o inferno.
No capítulo 9, C. S. Lewis (como Dante ao encontrar Virgílio, na Divina Comédia) encontra a figura sábia e santa de George MacDonald na fronteira do céu. MacDonald explica a Lewis que “os condenados têm excursões de férias, entende?” 20 A maioria faz viagens para a Terra, mas alguns viajam para o céu e se recusam a ficar. “Milton tinha razão. A opção de cada alma perdida pode ser expressa pela frase ‘é melhor ser rei no inferno do que servo no céu’. (...) Você vê isso com facilidade no rosto de uma criança mimada que prefere acabar com a brincadeira e ficar sem o lanche a pedir desculpas e fazer as pazes”. 21 “Todos os que estão no inferno o escolheram”. 22
Ao colocar essas palavras na boca de seu mentor George MacDonald em O Grande Abismo, Lewis talvez estivesse pensando nas seguintes palavras de Sundar Singh: “Os homens não foram criados para o inferno; portanto, não gostam dele; e quando estão lá, desejam fugir para o céu. Então fogem, mas acham o céu ainda mais desagradável do que o inferno e voltam”. 23 Essas palavras foram publicadas em 1921, em A Mensagem de Sundar Singh, co-autoria de B. H. Streeter, um professor de Oxford que ficara impressionado desde a visita de Sundar Singh no ano anterior.
Na trama imaginada por Lewis em Aquela Força Medonha, o Sura, da Índia, transferiu uma incumbência espiritual para Ransom, da Inglaterra, a quem nunca vira pessoalmente. Seria possível (me pergunto) que na vida real o Sadhu, da India, tivesse transferido uma incumbência espiritual para C. S. Lewis, da Inglaterra? Tal sincronicidade estaria em compatibilidade com a vida incomum e maravilhosa do Sadhu. (A Bíblia narra uma transferência semelhante na história de Elias e Eliseu, em 2 Reis 2.)
George MacDonald morreu em 18 de setembro de 1905. No mesmo período, o jovem Sundar Singh decidiu se tornar um Sadhu perambulante, e menos de três semanas após a morte de MacDonald, deu início ao seu ministério de vinte e quatro anos. Quando Sundar Singh morreu, na primavera de 1929, C. S. Lewis consagrou sua vida a Deus e gradualmente começou seu ministério extraordinário. Todos os três homens ministraram pela pregação pública, por seus escritos e pela oração intensa e constante.
Talvez os elos cronológicos entre os ministérios de oração e ensino de George MacDonald, Sundar Singh e C. S. Lewis sejam só coincidência. A vida é cheia de coincidências, e George MacDonald cria que nós nem sequer percebemos a maioria delas. Contudo ele cria que todas são significativas.
Sem dúvida, C. S. Lewis não notou a coincidência cronológica que ligava seu ministério ao de Sundar Singh e George MacDonald. Mas em 1948, apenas três anos depois de publicar seu tributo ficcional a Sundar Singh em Aquela Força Medonha, Lewis publicou um livreto intitulado George MacDonald: uma antologia. Um dos trechos inspirados que ele decidiu incluir foi extraído de Anais de um bairro tranqüilo, um romance de MacDonald: “E se cremos que Deus está em toda parte, por que não deveríamos pensar que ele está presente até nas coincidências que às vezes parecem tão estranhas? Pois se ele está nas coisas que coincidem, tem de estar também na coincidência dessas coisas”. 24
__________________________________________
Nota do Tradutor: Para verificar as referências às obras, por gentileza, consulte a seção subsequente ao artigo original em inglês: http://www.lindentree.org/chain.html
Marcadores:
Artigos
,
C. S. Lewis