Usar sem abusar

sexta-feira, 10 de agosto de 2012 Postado por Lindiberg de Oliveira


Uma religião é mais bem definida a partir de suas proibições, pois, a essência da fé para a massa religiosa está nas proibições muito práticas que lhes fornecem por um lado uma identidade e por outro lhes garantem uma recompensa. Partindo desse ponto, creio decididamente que essas proibições nascem no momento em que se cria uma instituição. É muito simples, estabeleça uma instituição em um solo fértil, regue com descomedido empenho para deixa-la em pé e verá brotar rapidamente inúmeras leis, regras, doutrinas, regulamentos, estatutos, métodos, costumes, normas, etc.

É apavorante para os evangélicos imaginar que Jesus foi até o calvário sem deixar nenhuma regra, nenhuma lei e nenhuma letra, nada, pois o que ele deixou, deixou encravado no coração, na alma: “O Reino de Deus está em vós” (Lc 17.20-21). Apesar disso insistimos em constituir proibições como, não toques, não coma, não ouça, não beba, não manuseies, enfim, não entenderam que estas coisas estão fadadas ao desaparecimento pelo uso, porque são baseadas em preceitos e ensinamentos dos homens e que não tem valor algum contra os desejos da carne (Cl 2.16-23).

É evidente que nossa natureza tem certas inclinações para o abuso das coisas. Nós excedemos na comida, no álcool, no sexo e até mesmo no modo como lidamos com a tecnologia. Nossa ganância parece não ter limites, nos fazendo correr atrás insaciavelmente do poder, da grana, ao ponto de nos querer se emancipar da jurisdição de Deus – algo absolutamente impossível. Na pulsão pelo controle, pelo domínio e pela ordem, resolvemos estabelecer regras – o que tornaram as coisas ainda piores. Jesus, em total oposição as instituições, oferecia liberdade e autonomia a aqueles que apreciavam sua mensagem. Não recusou nada, mas também não abusou de nada, comeu e bebeu sem um pingo de culpa, pois para o Nazareno o que contamina não é o que estando fora entra no homem, mas o que sai é o que o contamina. Perguntas como: “por que vocês não decidem por si mesmos o que é certo?” deixavam os apóstolos desnorteados (Lucas 12:57). Esse é o tipo de liberdade que deixa qualquer religioso escandalizado, pois quebra no meio toda ordem eclesiástica, toda autoridade por mais piedosa que seja.

As Escrituras sempre apontam para o equilíbrio; “não vos embriagueis” é o concelho de Paulo. Ou seja, use sem recusar e sem abusar, “pois nada é impuro em si mesmo” (Rm 14.14). Na verdade, diz Paulo, “tudo é puro para os que são puros” (Tt 1.15). Huberto Rohden, com sua grande sapiência nos mostra que a sabedoria se encontra em se colocar diante do mundo sem recusar nada, mas também não excedendo do que ele tem para oferecer:

Recusar é uma preliminar necessária para poder usar corretamente, sem abusar.

O homem profano abusa.

O homem virtuoso recusa.

O homem sábio usa.

O celibato de Gandhi, diz Tagore, é antes budismo que brahmanismo, é mais virtude que sabedoria.

O homem sábio deve ser capaz de usar tudo, sem recusar nada e sem abusar de nada.

Mas... é melhor recusar do que abusar. E quem não é assaz forte para usar sem abusar, faz bem recusar.

Muitos abusam.

Alguns recusam.

Poucos usam.

©2012 Lindiberg de Oliveira


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